Por Tereza Cruvinel, no 247
No dia em que o Copom reduziu a taxa Selic para 9,75%, o aplauso dos empresários do setor produtivo foi um muchocho: podiam ter cortado mais, disseram em coro. Eles apoiaram o impeachment, abraçaram Temer e sua agenda de reformas. Como o estouro do caso JBS, alguns flertaram com sua troca por Rodrigo Maia mas recuaram: ruim com ele, pior sem ele, chega de turbulência. Agora, porém, crescem os sinais de insatisfação do setor produtivo com um governo que não trouxe estabilidade política nem crescimento, aprofundou a recessão, agora aumentou impostos e enfrenta um descomunal desajuste fiscal.
Dirigentes que apoiaram decididamente o impeachment, como Paulo Skaf, presidente da Fiesp, e Robson Andrade, presidente da CNI, reagiram com desdém ao corte de um ponto percentual na Selic, recolocando-a no patamar de um dígito. "O BC está com a preocupação errada. A inflação está sob controle. O que o Brasil precisa, no momento, é retomar o crescimento e gerar novos empregos. E isso só vai acontecer com juros mais baixos", declarou Skaf. “O Copom poderia ter feito um corte mais ousado dos juros, como era o nosso desejo. O Banco Central perdeu uma oportunidade”, disse Alencar Burti, presidente da Associação Comercial de São Paulo.
A redução moderada dos juros, já esperada, foi só um pretexto para externarem uma insatisfação que é mais ampla e reflete o ceticismo em relação à capacidade do governo de colocar a economia “nos trilhos”, como prometeu o presidente dos 5% de aprovação. A CNI, por exemplo, divulgou nota bastante ácida reclamando da decisão da Camex (veja a íntegra no final da matéria) de revalidar, até 2020, um acordo com o Chile pelo qual só navios com bandeiras dos dois países podem operar comercialmente entre eles. A medida visaria, segundo a nota, proteger duas empresas nacionais, que não foram identificadas, impedindo que navios de outras nacionalidades façam fretes a custos mais baixos com redução no preço final dos produtos importados ou exportados. “O setor privado não encontra nenhuma justificativa plausível para a decisão da Câmara de Comércio Exterior (Camex) que adiou o fim do acordo marítimo entre o Brasil e o Chile para 2020. A decisão não ajuda a melhorar a competitividade da indústria. Estamos precisando de soluções imediatas e positivas, que gerem emprego, renda e um ambiente que se permita investir mais. Não é o que acontece com essa decisão”, disse Robson Andrade na nota. O fim do acordo já fora acertado bilateralmente mas a Camex, depois de cozinhar o assunto por meses, ontem resolveu manter a reserva de mercado até 2020.
As queixas da indústria começam ser externadas com mais estridência. O acesso ao BNDES continua complicado, a TLP é refugada, a capacidade instalada, por conta da recessão, continua sendo utilizada abaixo da média histórica, o aumento dos combustíveis terá impacto sobre os custos de produção, o fim da política de conteúdo nacional reduz encomendas do setor petrolífero etc. etc. O encanto com Meirelles também vai se quebrando a olhos vistos. Cresceu com o aumento de impostos e aumentará mais ainda se ele ceder às pressões para afrouxar a meta fiscal para atender à operação salva-Temer.
Enquanto isso, o governo abre as torneiras para enterrar a denúncia contra Temer e apega-se a medidas fiscais de resultado duvidoso, como PDV para funcionários públicos e a cobrança de benefícios pagos indevidamente a pessoas que já morreram. Quem vai devolver e quando? Vem aí mais arrocho fiscal, como o adiamento dos reajustes salariais negociados em 2016, o que reforça a percepção de que não há segurança jurídica no país.
Mas entre esta irritação com o governo e seu afastamento há uma distância que o empresariado não parece disposto a percorrer, pressionando o Congresso pela aceitação da denúncia contra Temer. Contra Dilma, engajaram-se, alguns até financiaram a compra de votos. Não tendo certeza de que Temer cairia, resguardam-se. A população, de sua parte, expressa na pesquisas seu repúdio ao governo mas não se anima a protestar nas ruas. Resignou-se ao infortúnio.
Veja a nota da CNI
Manobra da CAMEX adia fim do acordo com Chile e frustra indústria
Câmara de Comércio Exterior reúne oito ministros, mantém monopólio em rota marítima até 2020, prejudica 3,6 mil exportadores e comércio entre Brasil e o país andino.
O setor privado não encontra nenhuma justificativa plausível para a decisão da Câmara de Comércio Exterior (Camex) que adiou o fim do acordo marítimo entre o Brasil e o Chile para 2020. Segundo o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, o convênio estabeleceu cláusula para a renúncia do acordo durante sua vigência, desta forma, não há explicação para a extensão do acordo.
“A decisão não ajuda a melhorar a competitividade da indústria. Estamos precisando de soluções imediatas e positivas, que gerem emprego, renda e um ambiente que se permita investir mais. Não é o que acontece com essa decisão”, diz Robson Braga de Andrade.
O Chile é o segundo maior parceiro do Brasil na América do Sul e a manutenção do acordo vai impedir a criação de mais de 15 mil empregos, vai manter o frete marítimo para o país andino em média 45% acima do mercado, e os preços dos produtos brasileiros importados do Chile vão permanecer em média 5% mais caros.
Para a CNI é difícil entender porque o governo reuniu oito ministros para privilegiar dois armadores estrangeiros em detrimento de 5 mil empresas nacionais. Ao manter uma reserva de mercado até 2020, o governo continua penalizando diariamente o comércio entre os dois países.
Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que o sobrepreço pago pela indústria extrativa que exporta para o Chile é de 51,4%, as manufaturas pagam 46,4% a mais, a agropecuária 45,1% e o agronegócio 41,5%.
A FGV mostra que as exportações de manufaturas do Brasil para o Chile aumentariam 13,45% e do agronegócio subiriam 11,28% se o acordo fosse denunciado ainda este ano. Os principais benefícios para as exportações chilenas seriam na agropecuária, com incremento de 21,68% e na indústria extrativa, 19,4%. A CNI avalia que o aumento da importação não é negativo, pois o Brasil importa insumos essenciais para a indústria, como o cobre. Com a abertura de mercado, os ganhos na corrente de comércio são de US$ 636 bilhões.
Entenda o caso
Nas décadas de 1960 e 1970 – Governo brasileiro assina uma série de acordos bilaterais de exclusividade com objetivo de promover as marinhas mercantes nacionais.
1975 – Início da vigência do Acordo de Transporte Marítimo entre Brasil e Chile para desenvolver a indústria naval dos dois países. Só navios de bandeira brasileira ou chilena podem operar na rota Brasil-Chile-Brasil
1994 – A política de reserva de carga é desmontada no Brasil, com o fim das conferências de frete e denúncias de acordos de transporte marítimos como entre Brasil e Peru.
2006 – Coalização empresarial apresenta ao governo brasileiro necessidade de ser encerrar o acordo entre Brasil e Chile
2015 – Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Sociedad de Fomento Fabril (Sofofa) emitem declaração conjunta que pede revisão do acordo.
Junho/2016 – CNI, CNI e associações setoriais estabelecem aliança em prol da denúncia do acordo. Estudos mostram que reservas de carga inibem a competitividade, dificultam integração e elevam custo do comércio
Setembro/2016 – Empresas de navegação, que atualmente estão fora da rota, manifestam interesse caso não exista mais a reserva de carga
28 de Setembro de 2016 – Denúncia de acordo é aprovada por unanimidade durante a 1ª reunião da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) sob a liderança do presidente da República. Resta apenas a promulgação em nova reunião da Camex
30 de novembro de 2016 – Reunião da CAMEX é cancelada
13 de dezembro de 2016 – Reunião da CAMEX é cancelada
25 de julho de 2017 - CAMEX decide suspender o acordo apenas em 2020
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