A Lei de limite de gastos do governo já mostra a inconsistência entre o que o governo propôs e a realidade
Do Brasil Debate
Por Flávio Arantes
Além de já estar causando uma série de confusão na mídia sobre o aumento
permitido para os gastos públicos, a elaboração do orçamento federal para 2018,
sob as regras do teto dos gastos, vai exigir manobras que prejudicarão ainda
mais a economia e a população brasileira. No relatório da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) para 2018, que dá as orientações de como o orçamento deve
ser preparado, o deputado Marcus Pestana (PSDB/MG) afirma que haverá R$ 39
bilhões “a mais” para gastar ano que vem, enquanto a equipe técnica do governo
indica que, na prática, esse valor é de R$ 80 bilhões.
Entendamos os números. De acordo com a Emenda Constitucional 95 (EC 95), a
base de cálculo do teto para 2017 foi o valor das despesas primárias pagas do
Governo Central[1]no final de 2016 (dinheiro que saiu efetivamente dos cofres
públicos) corrigidas pela inflação acumulada, o IPCA, de jul/2015 a jun/2016. Em
2016 essas despesas foram de R$ 1.214,4 bi e o IPCA de 7,2%, o que determinou o
limite para 2017 de R$ 1.301,8 bi (R$ 1.214,4 x 1,072 = R$ 1.301,8).
Já para 2018 a correção foi feita pelo limite de 2017 e não pelo valor pago
em 2017 – e essa é a regra que valerá a partir de agora. Com o IPCA acumulado de
jul/2016 a jun/2017 de 3%, o limite na LDO para 2018 é de R$ 1.340,9 bi. O
governo central tem, portanto, R$ 39 bi “a mais” que pode aumentar no orçamento
das despesas primárias sobre as quais incidem o teto para o ano que vem. Como
não são todas as despesas primárias que estão sob o teto[2]e como tampouco entram no teto as despesas financeiras
(pagamento de juros, amortizações e refinanciamento da dívida) o orçamento de
2018 como um todo provavelmente terá um adicional de gastos maior que os R$ 39
bi.
A equipe econômica do governo, por outro lado, faz uma estimativa de que
as despesas efetivamente realizadas em 2017 ficarão abaixo do limite. Ou seja,
por conta de frustração de receita prevista para 2017, devido à recessão, e por
causa da meta de déficit primário, os R$ 1.301,8 bi do teto não serão
efetivamente gastos. Quando se compara essas estimativas para o gasto em 2017
com o limite aprovado para 2018, o valor, segundo os técnicos do governo, é de
R$ 80 bi. Ou seja, teriam, na prática, R$ 80 bi “a mais” para 2018 do que acham
que vão gastar efetivamente em 2017.
Coloco o “a mais” entre aspas porque é um gasto público que aumenta apenas
nominalmente, repondo a inflação, e não vai crescer em termos reais, no
agregado, fazendo jus à orientação geral da EC 95: congelar o poder de compra do
gasto primário até 2036 no mesmo patamar de 2016. É como se alguém consumisse
exatamente as mesmas coisas por 20 anos, sem mudança nenhuma nos hábitos ou nas
necessidades e como se todos os preços aumentassem na mesma taxa.
De qualquer modo, sendo R$ 80 bi ou R$ 39 bi “a mais”, o montante não será
suficiente, como o próprio relator afirma, para pagar as despesas primárias
obrigatórias que crescem de maneira vegetativa, como, por exemplo, o gasto com
pessoal ou com os benefícios da previdência. Essas despesas crescem ano a ano
devido aos reajustes dos salários, dos valores dos benefícios previdenciários,
ou para dar conta dos planos de carreira dos servidores ou do aumento no número
de beneficiários, entre outros motivos. Na média de 1997 a 2016 o gasto com
pessoal cresceu 10,3% e o de benefícios previdenciários 13,4% ao ano em termos
nominais. Em termos reais, descontados pelo IPCA, o crescimento médio anual foi
de 3,6% e 6,4%, respectivamente. Como então acomodar esse crescimento
vegetativo no orçamento de 2018 tendo em vista o teto (crescimento nominal de 3%
= crescimento real de 0%)?
De imediato, o governo pode reduzir os gastos com as despesas discricionárias
(custeio e investimento) e realocar os recursos nas despesas obrigatórias,
mantendo o total das despesas sujeitas ao teto dentro do limite. O problema
(adicional) é que o governo historicamente já corta os investimentos e o custeio
para pagar juros e cumprir com as metas do resultado primário e esse corte é
insuficiente para satisfazer também com o teto. O governo tem duas regras, dois
limites, e apenas uma “via de escape”.Por isso, o relator da LDO já indica a
necessidade de cortes nas despesas obrigatórias!
As despesas obrigatórias só podem ser cortadas se houver mudanças nas
legislações, desde alterações em leis específicas a mudanças na Constituição. A
EC 95, que foi amplamente reprovada em consulta popular, mas imposta pelo
governo, só se sustenta na execução orçamentária se o governo tiver raio de
manobra para cortar gastos. Ele não tem e a LDO de 2018 já mostra isso. Assim,
também por causa dos problemas de execução orçamentária o governo enfiou goela
abaixo da população reformas como a trabalhista, tenta fazer o mesmo com a
reforma da previdência, provavelmente vai tentar desvincular os benefícios
previdenciários do salário mínimo e ainda alterar sua regra de reajuste. O povo
sofrendo por uma regra que não tem sentido econômico nenhum.
O governo federal já não investe na economia para gerar resultado primário e
tentará deixar de pagar despesas obrigatórias para não ultrapassar o teto dos
gastos. Essa é a lógica que a EC 95 reforça: diminuir cada vez mais a
participação do Estado em todas as áreas por meio da limitação orçamentária. A
LDO indica que a elaboração do orçamento para o ano que vem será caótica e
ineficiente e, por consequência, deixará a aplicação dos recursos ainda mais
precária e insatisfatória. O teto não se sustenta frente à própria dinâmica
orçamentária e muito menos frente às demandas do país.
Flávio Arantes - É doutorando em economia pela Unicamp e
pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON) do
IE/Unicamp. Estuda economia do setor público e teoria sobre política
fiscal
Notas
[1]Tesouro Nacional, INSS e Banco Central.
[2]Lembrando que as despesas primárias correspondem basicamente a
gastos com pessoal e encargos, previdência, custeio e investimento. Despesas
primárias com transferências constitucionais (como o Fundeb, o Fundo de
Desenvolvimento do DF, etc.), créditos extraordinários, gastos com eleições e
despesas com aumento de capital das estatais não dependentes não entram no
cálculo.
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