Por Daniela Schweig Cichy, publicado originalmente no Migalhas
A aplicação da demissão motivada no
âmbito dos Correios, decorre, segundo tese defendida pela diretoria executiva da
estatal, de sua situação financeira que acumula prejuízos bilionários nos
últimos dois anos e com sinalização de novo prejuízo no ano corrente.
Esse é o fato que justifica a sua
aplicação, crise financeira.
Ocorre que, sob o ponto de
vista jurídico, a situação não é tão simples e a aplicação de demissão motivada
em massa em uma empresa pública federal, prestadora de serviços públicos
monopolizados, de capital exclusivo da União, que paga suas contas judiciais
através da sistemática de precatórios, tem seus bens impenhoráveis e possui
imunidade tributária a impostos, merece um olhar mais acurado e
atento.
Antes da questão jurídica que
personifica a total incompatibilidade do instituto com a realidade experimentada
pelos Correios, temos que verificar a questão fática apresentada e debater se a
saída é mesmo a demissão em massa decorrente de fator econômico.
O prejuízo da estatal é notório e fato
incontroverso. Mas, qual a sua origem? É decorrente da crise financeira do
mercado econômico brasileiro ou é um problema de gestão? Houve um crescimento
exagerado das despesas? Houve um crescimento fora da curva da despesa com
pessoal?
De outro lado, quais medidas ou
caminhos foram percorridos pela diretoria da empresa para contornar a situação
econômica desfavorável?
As respostas a essas indagações são de
fundamental importância para legitimar ou não as ações futuras da empresa na
implantação da demissão motivada em massa.
Nesse sentido podemos verificar que é
fato notório, pois publicado em vários sites de notícias, que a CGU, após
auditoria efetuada nos Correios (relatório 201602617 disponível no site do
Ministério da Transparência), responsabilizou o Conselho de Administração e a
Diretoria Executiva da empresa, por não adotar medidas que evitassem a
dilapidação do patrimônio da estatal.
Mas que dilapidação de patrimônio foi
essa? A CGU apontou que os Correios pagaram à União dividendos acima do previsto
na legislação, inclusive mandando dividendos em ano que não teve lucro, o que
gerou um problema de falta de caixa para a empresa. Esse fato é o principal
causador da crise financeira dos Correios.
Em uma avaliação histórica do
desempenho econômico financeiro da estatal, pode-se verificar claramente que a
empresa, embora tenha um faturamento alto (na casa dos bilhões), não é geradora
de grande margem de lucro. Isso é claro e evidente por ser o serviço postal um
serviço que toma muita mão-de-obra e também por registrar custos elevados para a
prestação de serviço com qualidade uniforme em todo o território
nacional.
É por isso que o Correio possui o
monopólio da prestação de serviços de entrega de cartas. É por esse motivo que a
empresa é a única estatal que paga suas contas judiciais pela sistemática do
precatório e possui imunidade tributária. Essas prerrogativas justificam-se e
foram reconhecidas pelo STF, justamente pelo aspecto econômico e social que
permeiam a prestação do serviço postal.
Lembrando que o serviço postal é
público, de competência da União e que é, e sempre foi, historicamente
deficitário. É importante destacar que o serviço não é deficitário
por causa dos empregados, ele é deficitário pela matriz de prestação que foi
concebida e pela qual é prestado, com universalidade na prestação e pela
modicidade tarifária.
Algum agente econômico privado pode
garantir o custo de uma carta social? Não.
Algum agente econômico
privado pode garantir uma modicidade tarifária para o serviço monopolizado e um
equacionamento tarifário para os serviços concorrenciais, como o serviço de
encomendas, onde se garanta a entrega em regiões economicamente inviáveis, como
o interior do país? Não.
Então uma empresa que presta um serviço
que não é protagonista nacional na geração de lucros, quando é descapitalizada
na proporção em que a empresa de Correios foi, não tem como não sentir os
efeitos dessa ação de sua controladora, no caso a União Federal.
Os recursos acumulados foram retirados
da empresa. Dinheiro que, em anos anteriores, foi preservado e utilizado para a
manutenção dos Correios, evitando que a empresa precisasse ser socorrida pelo
Tesouro Nacional. Ou seja, esse dinheiro sempre foi fundamental para o
equilíbrio econômico da empresa, que embora não tivesse um lucro operacional,
mantinha-se sem prejuízos e sem onerar o Tesouro, com uma política de aplicações
financeiras adequada para suportar os períodos de baixa na atividade
econômica.
Esse fato não é novidade e também é
explorado por todas as empresas, seja no mercado público, seja no mercado
privado, considerando que a economia é cíclica e sujeita a oscilações. As
reservas econômicas das companhias são fundamentais para que as empresas possam
atravessar períodos de crise, que podem ser decorrentes, entre outras coisas, da
baixa atividade econômica e do constante processo de inovação
tecnológica.
Assim, resta evidente que a causa
fática da crise financeira dos Correios é a ação da própria União e dos órgãos
de Administração dos Correios (Diretoria Executiva e Conselho de Administração),
que propiciaram a descapitalização da empresa, sem adotar qualquer medida
compensatória.
Ao contrário, a União trabalhou mais
uma vez contra os interesses dos Correios ao manter inalteradas as tarifas
postais por um período em que a inflação estava em alta, aumentando assim todos
os custos da empresa, outro fato incontroverso e de conhecimento notório.
Nesse ponto é de chamar a atenção para
o previsto na lei 13.303/16 que, em seu artigo 15, estabelece a responsabilidade
do acionista controlador da empresa pública pelos atos praticados com abuso de
poder. Então, fica a indagação, não poderiam os empregados da empresa, por
intermédio de suas entidades representativas (Adcap, Fentect, Findect e outras),
buscar junto ao Poder Judiciário a responsabilização da União por seus claros e
evidentes atos praticados contra a empresa (descapitalização e retenção
tarifária) e que causaram o seu desequilíbrio financeiro?
A resposta é positiva, considerando que
o parágrafo primeiro do mesmo artigo estabelece que a ação de reparação poderá
ser proposta pela sociedade, o que convenhamos não será feito, mas deveria,
pelos demais sócios, o que não é aplicável no caso já que a União é a única
controladora dos Correios e, também, pelo terceiro prejudicado. Nesse ponto,
quem está sendo mais prejudicado do que o trabalhador dos Correios, que está
sofrendo diariamente a ameaça de uma iminente demissão em massa, como forma de
corte de custos da empresa estatal.
Neste mesmo sentido, voltando às
questões inicialmente levantadas, vemos que uma análise das despesas com pessoal
pode demonstrar claramente que durante os últimos cinco anos não houve um
incremento fora do padrão inflacionário nessas despesas, excluída a questão do
plano de saúde.
De outro lado, ao verificarmos as
medidas adotadas até o presente momento, pela Diretoria Executiva, para o
contorno na crise financeira da empresa, vemos que não existe nada de concreto
que não seja um ataque aos seus trabalhadores, com a proposta de redução de
benefícios, redução de orçamento de funções gratificadas, programa de demissão
incentivada e agora a ameaça de demissão em massa.
Qual outra medida concreta adotada pela
administração da empresa? Nenhuma. Houve a contratação, por R$ 30 milhões, de
uma consultoria que está apresentando propostas idênticas a aquelas da
consultoria passada, que custou R$ 3 milhões. Mudanças apontadas como novo
modelo organizacional e nova estratégia, apesar de importantes, não diferem das
proposições contratadas nos anos anteriores (Falconi e EY) e não trazem
quantitativamente nenhuma perspectiva de melhorias no curto, médio e longo
prazo. No curto prazo, só se praticam atos contra os empregados, como a
suspensão das férias, corte de funções gratificadas e, agora, a demissão em
massa.
As despesas com patrocínios continuam a
ser executadas sem qualquer critério e sem qualquer metodologia de aferição real
de atingimento de metas das contrapartidas. Quem está patrocinando diversas
federações esportivas (ruby, tênis, natação e handebol) não pode demitir
empregados concursados sob alegação de crise financeira. Quem está em crise não
gasta com eventos patrocinando várias entidades de caráter duvidoso e com fins
totalmente desconexos à atividade da empresa.
Uma empresa em crise não
mantém uma subsidiária como a CorreiosPar, com três diretores que ganham
remuneração superior a 30 mil reais por mês e não apresentam nenhuma resposta
positiva. Não produz nada que seu objeto social determina. A CorreiosPar tem um
capital social de 27 milhões de reais e não produz nada, só gasta com pagamento
de salários e demais benefícios de seus diretores. Esse dinheiro poderia ser
incorporado ao patrimônio dos Correios, que está em crise financeira. Disso
decorreria a suspensão da atividade da subsidiária e a imediata dispensa de seus
dirigentes.
Uma empresa em crise
financeira não mantém dezesseis assessores especiais, contratados sem concurso,
e que também não estão trabalhando em qualquer processo especial ou estratégico
que justifique salários mensais de 20 mil reais. Quais projetos esses assessores
tão especiais tratam hoje? Nenhum.
Uma empresa em crise financeira não
pode demitir empregados e ao mesmo tempo manter um elevado índice de contratação
de mão-de-obra temporária. A utilização de mão-de-obra temporária dos Correios é
um escândalo que não se justifica. Se há, como diz a Diretoria Executiva, um
excesso de empregados, como justificar a manutenção anual de contratos de
fornecimento de mão-de-obra temporária, com cerca de 10 mil trabalhadores
temporários. Ora, antes de demitir concursados, que seja extinta a utilização de
mão de obra temporária na empresa; lembrando que o trabalhador temporário custa
mais caro que o empregado concursado, considerando que os benefícios são os
mesmos, mas para o temporário a empresa ainda paga a taxa de administração da
empresa fornecedora de mão-de-obra.
Essas são as questões fáticas que por si, demonstram a inviabilidade de se adotar uma política de demissão motivada em massa com a alegação de crise financeira.
Antes de demitir empregados
concursados, que não têm nenhuma parcela de culpa pela crise financeira da
empresa, a Administração da empresa deve fazer o dever de casa e olhar para os
seus atos cotidianos de gestão, que podem ir desde a dispensa de carros com
motoristas, redução de seus próprios vencimentos e desligamento dos assessores
especiais.
As questões jurídicas, por sua vez,
podem ser resumidas em alguns pontos centrais:
Os Correios não são uma empresa de mercado qualquer. Trata-se de uma estatal federal que contrata seus empregados por concurso público, atua em uma área de reserva de mercado da União e detém privilégios típicos de uma autarquia pública.
Os Correios não são uma empresa de mercado qualquer. Trata-se de uma estatal federal que contrata seus empregados por concurso público, atua em uma área de reserva de mercado da União e detém privilégios típicos de uma autarquia pública.
Então, é correto dizer que se essa
empresa é detentora de vários privilégios, também é detentora de várias
obrigações que não são comuns às demais empresas que atuam no mercado
privado.
Especificamente quanto a seus
empregados, já decidiu o STF que as demissões somente podem ocorrer de forma
motivada. Daí, deriva o fato de que o motivo para demissão não pode ser qualquer
um, tem de ser um motivo verdadeiro e que tenha ligação de causa e efeito com o
problema que se busca resolver; o que não se verifica no caso dos Correios já
que os empregados não deram causa ao prejuízo experimentado pela empresa e
tampouco a sua demissão é a solução para o problema, lembrando que a atividade
postal exige mão-de-obra para sua execução. Não é uma atividade que se extingue
ou troca da noite para o dia com a implementação de tecnologia.
Ora, se os Correios são uma empresa que
se intitula "longa manus" da União Federal, e detém os privilégios da fazenda
pública, também tem obrigações de fazenda pública, sendo esse o entendimento do
STF, quando decidiu pela necessidade de motivação das demissões dos empregados
dos Correios.
Seguindo essa linha de raciocínio,
temos que não basta a empresa buscar uma negociação com os sindicatos e depois
demitir os empregados; assim como não basta aos Correios buscar uma mediação ou
dissídio junto ao TST, pois a Justiça do Trabalho não tem essa competência de
demitir empregados. Ao contrário, a função dela é a proteção dos empregados dos
abusos decorrentes da relação de emprego. A demissão em massa buscada pelos
Correios no panorama atual, não se configura em outra coisa que não a inequívoca
transferência do risco empresarial e da inabilidade da atual gestão em buscar
junto à União os valores retirados indevidamente da empresa, para os
trabalhadores (princípio da alteridade – artigo 2ª da CLT).
O TST tem firmado jurisprudência quanto
à necessidade de negociação prévia com as entidades sindicais, isso é uma
premissa básica da qual os Correios não poderão se furtar, além de demonstrar
com fatos reais e não com suposições, os verdadeiros fatores que levaram à
derrocada econômica da empresa e a impossibilidade de recuperação, ou que a
demissão é único caminho disponível para a empresa. O que, diga-se de passagem,
não se confirma, pois bastaria a União restituir o caixa da empresa que ela
teria condições de suportar a crise e criar alternativas de menor impacto social
para voltar a ser uma empresa equilibrada financeiramente.
De ressaltar, por fim, que outras
estatais passam por dificuldades financeiras e com excesso de pessoal, o que não
é o caso dos Correios, repita-se que conta com mais de 10 mil empregados
temporários contratados. Uma dessas empresas é a Infraero, que para evitar um
processo de demissão decorrente da privatização de parte dos aeroportos, optou
por efetuar o processo de cessão de empregados com ônus, para vários órgãos da
administração pública federal, que necessitam de pessoal.
Enfim, a demissão em massa
não é o caminho adequado a se buscar para solucionar a crise dos Correios, seja
por lhe faltar sustentação fática, seja por não possuir sustentação
jurídica.
__________
*Daniela Schweig Cichy
é advogada estatal dos correios, presidente da Associação dos Procuradores dos
Correios - APECT, secretária-geral da Associação dos Procuradores de Empresas
Estatais – ANPEPF, membro das Comissões de Advocacia Estatal da OAB/RJ e do
Conselho Federal da OAB, diretora da Federação Nacional dos Advogados –
FENADV.
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