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A situação de FHC era exatamente ao da presidente Dilma atualmente. Por que ele não renunciou ou não houve impeachment?

Por Fabio de Sá e Silva (*), originalmente publicado na Carta Maior
O sr. Fernando Henrique Cardoso demonstra ser uma pessoa extremamente impaciente. Decorridos apenas alguns meses do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, clama por renúncia e novas eleições presidenciais. Mau perdedor, não tem maturidade política para aguardar o período constitucional de quatro anos para, novamente, submeter suas ideias e programas à população brasileira, a única juíza do bom ou mau desempenho de seus mandatários. Deseja, ilegalmente, o terceiro turno.
 
Recorre, em sua declaração destemperada e superficial, a duas linhas de argumentação. A primeira, baseada vaga e frouxamente em considerações sobre corrupção, é desinformada e juvenil.
 
Trata o andamento das investigações no âmbito da operação lava jato como sinal de corrosão do poder político, quando na verdade este fato sinaliza para maturidade da democracia brasileira, que agora caminha sem a proteção seletiva de arquivadores gerais e de polícias políticas.
 
O segundo fio de raciocínio, mais grave, porque eivado de inconstitucionalidade e autocontradição, aponta para suposto “sentimento popular de que o governo, embora legal, é ilegítimo”. E se dedica a especular sobre as condições nas quais seja possível ao governo “a aceitação de seu direito de mandar, de conduzir”
 
Para isso, o sr. Fernando Henrique Cardoso propõe violar a vontade popular expressa democraticamente nas urnas em novembro último, destruir o Estado de Direito duramente reconstruído após 22 anos de ditadura e rasgar a Constituição. Parece óbvio que o sr. Cardoso desconhece a lógica e seu princípio básico, o da não-contradição.
 
Não se trata aqui, entretanto, de uma questão acadêmico-filosófica. Trata-se de uma questão antes de tudo ética, jurídica e política. O que o sr. Fernando Henrique Cardoso propõe é o golpe de Estado, a violação da ordem jurídico-política, movido apenas pela ambição de poder.
 
Constitui uma trágica ironia o fato de o autor recorrer em suas declarações aos espectros da degradação nacional, da desagregação social e da anomia. Que melhor sintoma dessas ameaças que sua conclamação irresponsável e inconstitucional à ruptura da ordem democrática vigente?
 
O sr. Fernando Henrique Cardoso abunda nas contradições. Segundo ele, a menos que haja “gesto de grandeza” da presidente, como renúncia, "assistiremos à desarticulação crescente do governo e do Congresso, a golpes de lavajato”.
 
Perante uma crise institucional por ele inventada e uma alternativa autoritária que só existe em sua fantasia, o sr. Fernando Henrique Cardoso propõe uma solução "brilhante": a criação, na prática, de uma crise institucional, e a adoção, com entusiasmo, de uma solução autoritária e antidemocrática.
 
O sr. Fernando Henrique Cardoso, além de óbvias dificuldades com a lógica e com a ética, tem parcos conhecimentos de filosofia política. Parece pensar que o termo "contrato social" designa uma realidade histórica e que, portanto, seria possível negociá-lo, como em uma reunião de acionistas ou condôminos. Se lesse os clássicos, entenderia que o conceito designa algo que se postula como hipótese filosófica, com vocação explicativa, nunca como um fato concreto.
 
Na verdade, "contrato social" é aquele que foi firmado pelo povo brasileiro, nas últimas eleições, com a presidente Dilma Rousseff, com o novo Congresso Nacional, e com as diversas autoridades nos níveis estadual e municipal. Não há, numa democracia, outro "contrato social" que não aquele consagrado nas urnas. A alternativa é o golpismo e a baderna, sob o nome anódino de "mobilização".
 
As declarações do sr. Fernando Henrique Cardoso prestam um grande desserviço ao Brasil. Fazem pouco caso de nossa democracia, de nosso Congresso e da maturidade política de nosso povo. Tentam, sem dúvida inutilmente, erodir a credibilidade de nosso país no exterior. Pregam, por fim, a ruptura do Estado de Direito e o divisionismo, agora que as maiores lideranças do país buscam, dentro do respeito à legalidade, a união para o enfrentamento das dificuldades comuns.
*
O texto acima é uma adaptação livre, mas com relativamente poucas modificações, de artigo de mesmo título, de autoria do então Senador Teotônio Villela Filho (PSDB–AL).
 
O original foi escrito em resposta a artigo em que Tarso Genro (PT–RS) pedia a renúncia de FHC, em 1999. Tarso alegava que o governo de FHC perdeu a “respeitabilidade e a governabilidade” com a desvalorização do real. A moeda forte, disse Tarso, foi o pilar da reeleição de FHC.
 
Tivesse feito referências às denúncias de compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição e teríamos um quadro muito parecido com o atual, no qual FHC vê a “perda de condições de governar”.
 
Na ocasião, como reportou a Folha, FHC respondeu “com ironia à proposta de renúncia de Tarso Genro”: “O presidente já esperava que Tarso Genro tivesse se convertido à democracia”, disse FHC, por seu porta-voz.
 
Lula, vale lembrar, divergiu de Tarso.
 
“Eu não acho que o problema do Brasil será resolvido com a antecipação do processo eleitoral. O problema poderia ter sido resolvido em 4 de outubro. Não foi. A população fez uma opção, certa ou errada, foi uma opção da maioria do povo”, declarou Lula, na época.
 
(**) PhD em direito, política e sociedade (Northeastern University, EUA)

Comentários

  1. Chamá-lo de infanto-juvenil é um perigo: o cabra pode sair por aí querendo comer as menininhas do pedaço . . . é ao contrário: ele nos serve uma opinião de quem tornou-se aos poucos imaturo, empurrado pelo ego, pelas vitórias fáceis, pela dependência dos outros em si e no seu dito "prestígio" acadêmico, coisa que eu duvido no real e que qualquer sarnei é capaz de gerenciar via seus teleguiados. Cê pensa que os cacadêmicos da USP respeitam essa peça? Se em casa não passa de um capachildo, na rua é o que todos vem claramente, se quiserem.

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