Dos pescadores que denunciaram atos da Petrobras, quatro foram assassinado e outros vivem na clandestinidade
Dois telefonemas disparados de Brasília
atingiram em cheio três pescadores que desafiaram a Petrobras na Baía de
Guanabara, no Rio de Janeiro. O primeiro acertou de uma só vez
Alexandre Anderson de Souza e sua esposa, Daize Menezes de Souza, em
novembro de 2012. O segundo chamado alcançou Maicon Alexandre Rodrigues,
em setembro de 2013. Os três receberam ordens da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência para se retirarem de Magé (RJ), onde viviam e
resistiam aos projetos do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj),
o maior investimento da história da estatal. O recado era claro: se não
saíssem, seriam mortos por grupos armados da região, dos quais já
haviam sofrido ameaças e atentados.
Incluídos no Programa de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), coordenado pela secretaria,
abandonaram a cidade com a promessa até hoje não concretizada de que
voltariam dois meses depois com segurança. Desde então, vivem como
clandestinos. Não sabem se um dia voltarão a Magé, sede da Associação
dos Homens do Mar (Ahomar), da qual são dirigentes. A entidade está com
as portas fechadas desde agosto de 2012.
Os pescadores acusam a Secretaria de
Direitos Humanos de atuar em parceria com a Petrobras para mantê-los
longe da região onde a empresa toca o maior investimento do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), avaliado em US$ 13,5 bilhões. O trio
afirma que os telefonemas disparados pelo programa, ainda que
eventualmente os tenham livrado da morte, mataram a resistência dos
pescadores de sete municípios da Baía de Guanabara. De 2009 para cá, quatro dirigentes da Ahomar foram assassinados. Alexandre e Daize contam ter escapado de sete atentados.
Com manifestações no mar e ações na
Justiça, a entidade virou obstáculo para a petroleira e seus
fornecedores. Conseguiu paralisar trechos de obras por onde passariam
dutos de gás. Desde que foi lançado, em 2006, o complexo petroquímico
virou uma usina de problemas para o governo federal: o orçamento
previsto dobrou e o início de sua operação está quatro anos atrasado.
“Para mim, quem mata não é só quem atira
ou manda atirar. É também quem deixa atirar. Não tenho dúvida de que
minha retirada foi determinada pela Petrobras. Houve um pedido político
para eu deixar Magé”, acusa Alexandre, 43 anos, fundador e presidente da
Ahomar. “Já são mais de 550 dias longe de casa. Tenho de voltar com
escolta e ser protegido enquanto perdurarem as ameaças e os acusados não
forem presos”, reivindica.E, para ele, as ameaças partem de empresas
que prestam serviços à companhia.
Vice-presidente da associação, Maicon,
37 anos, relata viver os piores dias de sua vida. “O programa foi a pior
coisa que me aconteceu. Se não nos matarem, vamos morrer de infarto ou
depressão. Prefiro voltar para casa e morrer militando, como homem”, diz
o pescador, também conhecido como Pelé.
Casada com Alexandre desde 2001, Daize,
47 anos, está arrependida de ter entrado para o programa. “A gente
preferia ter morrido, levado um tiro na praia de Mauá, a sofrer o que
fazem com a gente”, declara a diretora da Ahomar, pescadora desde os 14
anos.
O drama vivido pelos pescadores não
expõe apenas a fragilidade do Programa de Proteção aos Defensores de
Direitos Humanos, denunciada por outros militantes, mas
também a prioridade dada pelo governo aos grandes empreendimentos que
financia, avalia Renata Neder, assessora de Direitos Humanos da Anistia
Internacional, ONG que monitora o caso. “A retirada é necessária em caso
de risco extremo, mas em caráter temporário. Há quase dois anos,
Alexandre e Daize não conseguem voltar para casa. O ingresso no programa
não pode acabar com a luta do defensor, que precisa permanecer na sua
comunidade”, adverte Renata.
O Ministério Público Federal (MPF)
monitora a execução do programa. O caso está nas mãos da procuradora
Gabriela Figueiredo. Por tramitar sob sigilo, os procuradores não
quiseram dar entrevista sobre o assunto. Na última audiência mediada
pelo MPF, em dezembro do ano passado, a coordenação do programa federal
informou que estava trabalhando para que os pescadores voltassem a Magé
com segurança e que pediria uma avaliação de risco para o retorno dos
militantes. Os pescadores não receberam nenhum retorno do estudo até
hoje. Na ocasião, a PM disse que não tinha policiais em número
suficiente para garantir total proteção aos pescadores.
Questionada pela reportagem sobre a
situação dos dirigentes da Ahomar, a Secretaria de Direitos Humanos não
se manifestou. Em nota, a Petrobras negou qualquer envolvimento com o
afastamento dos militantes e as ameaças. Disse que respeita os direitos
humanos e dialoga com as comunidades do entorno do Comperj. “A Petrobras
repudia quaisquer ameaças aos pescadores e entende que as investigações
são de responsabilidade dos órgãos competentes”, afirma.
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