Haitianos no Brasil: se tivéssemos loiros escandinavos pedindo estada ao contrário de negros, a história seria diferente
Fico descrente diante de comentários de colegas jornalistas, espumando
preconceito e desinformação, criticando o “peso” dos imigrantes haitianos para a
estrutura de atendimento de saúde, educação e assistência social e reclamando do
estorvo econômico que é chegada desse pessoal.
Como se eles mesmos não fossem o resultado de pessoas que deixaram sua terra
natal por desalento e esperança (quando a migração foi voluntária) ou trazida em
porões de navios, quando não.
Os haitianos não vêm simplesmente buscando oportunidades –
que não são encontradas no país abalado pelo terremoto de 2010, que matou 300
mil pessoas, pondo abaixo sua já frágil economia e frágeis instituições – mas
também atendendo ao chamado brasileiro por mão de obra, assim como ocorre com os
bolivianos. Sim, esse fluxo migratório atende a demanda por força de trabalho do
Brasil, em que determinadas funções já não são preenchidas apenas por
brasileiros, como empregadas domésticas, costureiras e operários da construção
civil e de frigoríficos.
Sob a perspectiva mal informada de grande parte população, contudo, eles vêm
“roubar” empregos. Isso quando o preconceito não descamba para o roubo de
relógios, jóias, carros e casas.
A verdade é que muita gente, do Acre, a São Paulo, passando por Brasília, não
sabe de onde vem o incômodo que sente ao ver centenas de haitianos chegando e
andando pelas ruas brasileiras.
Tenho certeza que, se tivéssemos loiros escandinavos pedindo estada ao
contrário de negros, a história seria diferente. Ou seja, para muita gente é
racismo mesmo, com todas as letras. Com a sempre presente discriminação por
classe social – negros ricos são menos queridos do que tolerados em uma
sociedade preconceituosa como a nossa.
Algumas das pessoas que pensam dessa forma devem estar postando selfies com
bananas, dizendo que somos todos macacos – um lema ridículo que faz uma crítica
vazia, funcionando muito mais como modinha do que como instrumento de
conscientização sobre as causas e as consequências do preconceito. Aliás, foi
ótimo para mostrar o que já sabíamos: no dia a dia, #somostodosridículos.
Por fim, o fato da maioria de nossos antepassados ter sido explorada até o
osso quando aqui chegou é mais um motivo para tratarmos com respeito os que,
agora, chegam para ajudar nosso crescimento econômico e em busca de seu
sustento.
Haitianos buscam emitir carteira de trabalho em São
Paulo (Foto: Alan Morici / Terra)
O governo (e, aqui, podemos listar todas as esferas envolvidas direta ou
indiretamente) demorou para criar estruturas de acolhimento, atendimento e
intermediação oficial de mão de obra de modo a evitar a superexploração de
imigrantes que já começa a acontecer. Se o fluxo migratório boliviano ocorre,
principalmente, para a capital e o interior do Estado de São Paulo, os haitianos
espalham-se pelo país, com especial interesse nos Estados do Sul.
Enquanto isso, a sua vulnerabilidade se traduz em números: 21 foram
libertados do trabalho escravo em uma ação de fiscalização do poder público em
Cuiabá (MT), em uma obra do “Minha Casa, Minha Vida”. Outros 100 acabaram
resgatados da escravidão em uma obra da mineradora Anglo American, em Conceição
do Mato Dentro (MG) – ambos os casos no ano passado.
Coordenamos, há anos, uma “força de paz” no Haiti com o objetivo de ajudar a
garantir a ordem e a reconstruir o país. O Brasil sempre disse que o Haiti
deveria vê-lo como um grande irmão do Sul. Nada mais justo portanto que, no
momento de necessidade, passarem um tempo na casa desse irmão. Ou, se quiserem,
estabelecerem-se por aqui.
Ou não te incomoda agirmos como os idiotas agiam há 200, 100, 50 anos
atrás?
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