Revolta. Tristeza. Náusea. É o mínimo que se pode dizer da sensação que causa
no espectador o documentário O Dia Que Durou 21 Anos, de Camilo
Tavares. Revolta e tristeza por constatar que, com o golpe, nos roubaram um
projeto de país, um futuro. Náusea por conhecer mais a fundo o papel que os
Estados Unidos tiveram na derrubada de João Goulart, muito além da teoria da
conspiração e da paranóia.
Camilo é filho do jornalista Flávio Tavares, um dos presos trocados pelo
embaixador norte-americano Charles Elbrick, sequestrado pelos guerrilheiros da
ALN (Ação Libertadora Nacional) e MR-8 em 1969. Sua principal façanha como
diretor foi a obtenção de documentos e áudios inéditos que comprovam a
participação ativa dos EUA no golpe militar durante o governo John Kennedy e,
depois de seu assassinato, com Lyndon Johnson no poder. Particularmente
nauseante é a intervenção do embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, e
seu cinismo ao reconhecer oficialmente o governo militar no dia seguinte ao
golpe.
Além de tramar, espionar e conspirar para derrubar o presidente de outro
país, algo inadmissível para um “diplomata”, Gordon é o responsável pela crença,
disseminada até hoje pelas carpideiras da ditadura, de que Jango pretendia
transformar o Brasil em Cuba, em um país comunista. Uma mentira histórica tão
absurda quanto chamar os guerrilheiros de “terroristas”, como insiste a direita
fascista brasileira, incapaz de discernir terrorismo de Estado de reação cívica
à ditadura. Propositalmente, para enganar jovens com pouca leitura e
desinteressados em conhecer a verdade.
A certa altura do documentário, o líder do PTB então, deputado Bocayuva
Cunha, esclarece com todas as letras: “Revolução comunista só existe na cabeça e
na estupidez de certa elite brasileira”. O que Jango queria era transformar o
País, e tinha apoio popular para isso. Suas reformas de base incluíam a reforma
bancária, fiscal, administrativa, educacional e agrária. Jango defendia ainda
medidas nacionalistas, que desataram a ira dos EUA, histéricos por proteger os
lucrativos negócios de suas empresas no Brasil. A intenção de realizar uma
profunda reforma agrária, por sua vez, descontentou os grandes donos de terras.
Os mesmos ruralistas que hoje em dia volta e meia se associam aos líderes
evangélicos no Congresso em defesa de bandeiras arcaicas e anti-democráticas.
Gentalha da pior espécie.
O que seria do Brasil se Jango pudesse ter feito suas reformas de base? Se,
já naquela época, a questão da terra tivesse sido resolvida, com o fim dos
latifúndios? Se a educação tivesse dado um salto qualitativo? Seríamos a
republiqueta de bananas em que o golpe nos transformou durante 21 anos, a mais
longa ditadura militar da América Latina? Teríamos os problemas educacionais e
de terra que ainda temos hoje? Nosso povo continuaria a ser manipulado por
políticos, religiosos pilantras e pela mídia apenas por não ter estudado como
deveria? Nosso ensino público teria sido sucateado para que gerações inteiras
fossem impedidas de pensar?
Por Cynara Meneses
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