Quando se olha a economia brasileira comparando-a com o resto do
mundo, saltam à vista dois fatos intrigantes e, francamente,
preocupantes. Sugerem uma disfuncionalidade muito séria - iniciada com a
Constituição de 1988 -, que sobreviveu porque os poderes incumbentes
(Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula e Dilma) nunca
enfrentaram seriamente a mudança fiscal que compatibilize os recursos
finitos de que dispomos para atender ao processo civilizatório que nos
propomos: um aumento continuado da igualdade de oportunidade para todo o
cidadão, independentemente de sua origem, cor ou credo.
Sem
dúvida tivemos um pouco mais de sucesso do que outros países emergentes
na integração social e na redução das desigualdades, mas à custa de uma
herança difícil de carregar. Os sinais vitais do Brasil parecem indicar
uma sociedade madura ("avançada") incompatível com a nossa renda per
capita.
O consumo do governo em 2000 estava junto à média dos
países desenvolvidos e em 2011 ligeiramente acima, muito longe dos
países emergentes. O nível de investimento público do Brasil é inferior à
média dos desenvolvidos e muito menor do que o dos emergentes. Um
animal esquisito, cujo fenótipo sugere um país "avançado", mas cujo
genótipo é "emergente"...
A
explicação mais plausível para tal "curiosidade" é dada pelo gráfico 2,
onde se vê a brutalidade da rigidez orçamentária imposta pelo
equivocado sistema de fixar gastos setoriais como porcentagem do
Orçamento ou vinculados ao PIB, técnica com a qual cada corporação
"marca o seu gado" para proteger-se de uma possível boa gestão do poder
incumbente.
O problema orçamentário brasileiro é de tal monta, que
nada menos do que um "Orçamento de base zero" será necessário para
rever os milhares de programas que subsistem só por inércia histórica,
corrigir os desperdícios que se eternizam pela acomodação natural dos
mecanismos de controle e superar a prevalência de interesses paroquiais.
A
grande oportunidade de fazer-se o aperfeiçoamento do sistema de receita
e despesa do governo foi perdida no momento político de alto sucesso do
brilhante plano de estabilização de 1994/95 (Itamar-FHC). E não foi por
falta de insistência dos seus economistas! A rigidez orçamentária
voltada às despesas de consumo do governo, a política de combate à
inflação apoiada na valorização nominal do real e a exagerada pressão
distributivista produziram uma valorização do câmbio real (a maior do
mundo entre 2002-12) que subtraiu US$ 320 bilhões da demanda do nosso
setor industrial no período.
A relação entre a política fiscal
(qualidade dos gastos; consumo ou investimento) e a taxa de câmbio real é
um problema controverso entre os economistas. O FMI acaba de divulgar
um trabalho sobre o assunto com atenção especial ao Brasil, escrito por
Badia e Segura-Ubiergo, que vale a pena ler pelo reconhecimento das
dificuldades (teóricas e empíricas) do problema e pelo pragmatismo das
recomendações.
Como aperitivo transcrevemos uma das conclusões do
trabalho: "A política fiscal pode ter efeitos substanciais sobre a taxa
de câmbio real efetiva nos mercados emergentes, operando, provavelmente,
através de dois canais inter-relacionados. Primeiro, o aumento na
poupança pública (isto é, um resultado fiscal estrutural mais robusto)
pode reduzir a apreciação real da taxa de câmbio no longo prazo e,
portanto, pode ser um importante instrumento para garantir maior
competitividade. Segundo, a estrutura do gasto governamental importa. Os
aumentos no investimento público levam, também, à redução das pressões
de apreciação cambial. Esse último resultado tem importantes implicações
para o Brasil, uma vez que o gasto corrente representa cerca de 90% do
gasto total. Em particular, o artigo revela que há escopo para a melhora
da composição do gasto público de forma a criar mais espaço para o
investimento público.
Uma ressalva importante, no entanto, é que ambos
os canais têm aproximadamente o mesmo impacto sobre o câmbio real
efetivo. Isso significa, na prática, que aumentos no investimento
público que não forem acompanhados de medidas equivalentes de redução do
gasto público corrente, provavelmente, terão pouco efeito sobre a taxa
de câmbio real efetiva."
Por Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
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