É comum se cobrar da classe política uma coisa chamada “coerência”. Tal termo, usado sempre como sinônimo de virtude pela imprensa especializada, foi assimilado quase como uma verdade absoluta pelo senso comum: político bom é o “político coerente”. Lembro, quando da primeira eleição de Lula, em 2002, a queixa de vários colegas de esquerda acusando o PT e seu maior representante de terem “mudado o discurso”. Na maioria dos casos, a “coerência” é confundida com uma espécie de “imobilidade do discurso”.
Ora, fora do universo da política, cada um de nós, em vários momentos da nossa vida, muda de opinião sobre diversos assuntos. Mais que isso: mudamos ou reformulamos conceitos, desfazemos ou criamos preconceitos, questionamos ideologias, pomos em dúvida nossas crenças, amplificamos ou reduzimos desejos e vontades. O princípio da dialética nos ensina que a única coisa permanente no mundo é a mudança.
Então, como cobrar do político a tal “coerência”, se não conseguimos aplicá-la em nossas próprias vidas? Como exigir um posicionamento fixo, um rigor ideológico, se a própria ideologia precisa, vez em quando, de remendos? O próprio Marx já dizia que “a existência determina a consciência”. Em outras palavras, o mundo real é que nos ensina a moldar nossos pensamentos. Não podemos tentar enquadrar a realidade à nossa verdade idealizada.
No exemplo de Lula, citado acima, alguns simplesmente não perceberam que ele não era mais só um líder sindical partidário de esquerda, mas o presidente de um País, que agora tinha de falar e negociar, institucionalmente, com políticos de esquerda e direita, trabalhadores e empresários, pobres e ricos. A mudança de discurso era inevitável, a não ser que se houvesse optado pela ruptura com as regras do jogo, o que, em momento algum da campanha, havia sido prometido. Assim como Lula, há inúmeros outros casos de políticos que são condenados – por vezes injustamente – por mudarem seus rumos e perspectivas.
Claro que não se deve cair na armadilha do relativismo absoluto e nem pregar que toda mudança é positiva. Pelo contrário. Há inúmeros casos de mudança para pior. E há alguns princípios basilares à nossa formação individual ou social que são mais resistentes às variações conjunturais. A tarefa é justamente separar o joio do trigo: percebermos até que ponto nós somos refratários a uma mudança que é necessária ou quando esta ou aquela mudança é feita de forma açodada, como um elevado grau de pragmatismo ou oportunismo.
Por Demétrio Andrade, jornalista e sociólogo
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