Estamos tão habituados a ouvir falar de "progresso do conhecimento", que não nos damos conta de que essa expressão não é um conceito descritivo, a tradução verbal de uma realidade, mas uma figura de linguagem, uma metonímia, por trás da qual não há senão uma impressão confusa e até enganosa. A realidade a que essa expressão alude vagamente é, com efeito, apenas o aumento das informações disponíveis sob a forma de livros, arquivos, índices, microfilmes, etc., isto é, o crescimento do número de registros, bem como da quantidade de pessoas e instituições ocupadas em produzi-las.
É certo que esse crescimento implica um acréscimo de precisão e diferenciação. Mas dizer que isso é "conhecimento" é o mesmo que imaginar que um estudante de biologia, tão logo entra na faculdade, já conhece toda a biologia pelo fato de estar cercado de bibliotecas, arquivos e toda sorte de registros concernentes à ciência biológica. Tudo isso é conhecimento potencial, não é conhecimento ainda.
A diferença torna-se ainda mais visível quando nos lembramos de que, afinal de contas, a própria natureza em torno, o universo inteiro dos seres vivos, é um depósito de conhecimentos biológicos em potência, aguardando que o ser humano os apreenda e registre. Tão logo as informações contidas nesse depósito sejam convertidas em registros humanos, dizemos que "aumentou nosso conhecimento", mas o que ocorre quando o número de registros cresceu a ponto de nenhum ser humano poder abarcá-lo ou ter ideia clara do seu princípio organizador?
O otimista incurável alegará que o crescimento do volume de registros é compensado pelo progresso dos métodos de indexação, sobretudo desde o advento dos computadores. Isso é uma ilusão. A conversão de registros impressos em registros eletrônicos é ainda a substituição de uma coleção de objetos por outra coleção de objetos, talvez mais fácil de manipular fisicamente mas nem por isso mais fácil de assimilar intelectualmente.
Qualquer cientista hoje em dia reconhece que ninguém domina o campo inteiro da sua ciência, quanto mais o das ciências todas, mas raramente algum deles tira daí a conclusão incontornável de que o "progresso do conhecimento", mesmo na sua área restrita, é apenas o crescimento do número de registros que vai se tornando cada vez mais indecifrável, a substituição de uma rede impenetrável de objetos naturais por uma rede impenetrável de objetos culturais.
"Conhecimento", a rigor, só existe na mente de quem conhece, no instante e no grau em que conhece. Um ser humano pode conhecer muitas coisas, pode dominar, num relance, uma área imensa de conhecimentos, e pode ignorar totalmente outras áreas das quais depende a compreensão daquela que ele conscientemente abarca.
Em que medida o homem desorientado no meio de uma massa de informações tem real "conhecimento" dela? Pode-se, é claro, conhecer um enigma sem conhecer a sua solução. Mas o que acontece quando não entendemos claramente nem mesmo a formulação do enigma? A desorientação, nesse caso, resvala na pura ignorância.
O "progresso do conhecimento", nesse sentido, implica o concomitante o aumento da ignorância. E, quando a ignorância e o conhecimento se mesclam de maneira inseparável, é a ignorância que predomina, pois é ela que determina a forma do conjunto.
Não é preciso dizer que, levada ao seu extremo, a impossibilidade de discernir conhecimento e ignorância põe em risco não só a segurança da civilização, mas a própria integridade da inteligência humana. A tarefa da filosofia é intensificar aquele discernimento e tentar preservar a integridade da inteligência no meio do crescimento simultâneo dos conhecimentos e enganos.
Por Olavo de Carvalho, ensaísta, jornalista e professor de Filosofia
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