Pular para o conteúdo principal

A saúde deveria ser tratada pelo setor público como prioridade. Mas, infelizmente, não é isso que se observa na prática

Por José Pastore, professor de relações do trabalho da FEA-USP.  www.josepastore.com.br

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD-Brasil) acaba de lançar um novo indicador social, o Índice de Valores Humanos (IVH), para captar a percepção das pessoas sobre as situações do dia a dia. Inicialmente foram pesquisados a educação, o trabalho e a saúde. Os brasileiros veem sua vida em situação razoável nas três áreas, com um IVH de 0,59 (o índice varia de 0 a 1). Mas em relação à saúde o descontentamento é grande (0,45). As pessoas se queixam, sobretudo, da demora do atendimento e do baixo interesse dos profissionais em ajudá-las. Esses resultados se referem aos serviços de saúde dos setores público e privado, devendo ser piores no setor público.

Muitos argumentarão que o IVH capta o subjetivo das pessoas e que não permite a formulação de políticas objetivas. Ledo engano. O sentimento das carências é de extrema utilidade para orientar as políticas públicas. Ademais, os dados indicam que a sensação de precariedade dos entrevistados reflete muito bem o que os atinge na realidade. Nas sete maiores capitais do País, os pacientes que recorrem ao Sistema Único de Saúde (SUS) esperam, em média, seis meses para realizar uma operação de amídalas ou para corrigir uma fratura. A colocação de uma prótese no quadril chega a demorar três anos. Há casos de quatro anos. Ou seja, as queixas subjetivas têm fundamentos muito objetivos. São vários os casos em que os pacientes têm de ir à Justiça para ser atendidos.

Quanto à qualidade do atendimento, muitas são as reclamações de pessoas que sofrem dores desnecessárias. Recentemente a imprensa noticiou que 76% das parturientes do SUS não são ajudadas com medicamentos para aliviar as dores de parto. Os exemplos se multiplicam para confirmar o descaso apontado. E quais são as causas? O próprio ministro da Saúde admite que o SUS gasta apenas R$ 675 per capita/ano com atendimento, vacinas, cirurgias, etc. É uma quantia irrisória.

Para uma avaliação honesta, não se pode esquecer dos maus-tratos a que são submetidos os que trabalham para o SUS. Para uma diária em UTI, o SUS paga aos hospitais apenas R$ 410 - o seu custo ultrapassa R$ 3 mil por dia. Para uma cirurgia cardíaca (revascularização do miocárdio), o reembolso ao hospital é de R$ 2.900, quando custa no mínimo R$ 6 mil. E para a equipe de sete profissionais que realiza essa delicada operação, o SUS paga R$ 1.330. Na melhor das hipóteses, o cirurgião-chefe fica com R$ 300!

É verdade que o bom atendimento é uma obrigação moral de qualquer profissional. Mas, convenhamos, são colossais a frustração e o estresse que acometem um cirurgião que precisa realizar uma enorme quantidade de operações de R$ 300 para poder viver com o mínimo de dignidade. Para fazer um parto, o SUS paga R$ 267 ao hospital (custo de R$ 1.800) e R$ 175 para serem divididos entre o obstetra e dois auxiliares. É uma afronta.

A Associação Paulista de Medicina acaba de publicar um estudo comparativo segundo o qual os médicos do serviço público na Inglaterra ganham, em média, o equivalente a US$ 118 mil por ano; no Canadá, US$ 211 mil; na Holanda, US$ 253 mil (Bruna Cenço, O valor do trabalho do médico no Brasil e no exterior, Revista da APM, agosto de 2010). E no Brasil? O salário médio dos médicos brasileiros, incluindo os que trabalham nos setores público e privado, é de R$ 2.373 mensais, o que dá cerca de US$ 17 mil por ano.

É verdade que estamos comparando países avançados com uma nação emergente. Mas, na palavra dos nossos governantes, esta nação está prestes a ocupar um lugar entre os cinco países mais ricos do mundo. Vamos parar com isso. Basta de ufanismo. Temos de reconhecer que o brasileiro perde até 13 anos de sua vida em razão do precário atendimento da sua saúde. Essa é a vergonhosa realidade e o que está por trás das respostas no estudo do Pnud.

Está na hora de os nossos governantes levarem a sério o respeito e a atenção que os brasileiros que trabalham e pagam impostos bem merecem.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Pesquisa Vox Populi mostra o Haddad na liderança com 22% das intenções de votos

Pesquisa CUT/Vox Populi divulgada nesta quinta (13) indica: Fernando Haddad já assume a liderança da corrida presidencial, com 22% de intenção de votos. Bolsonaro tem 18%, Ciro registra 10%, Marina Silva tem 5%, Alckmin tem 4%. Brancos e nulos somam 21%. O Vox Populi ouviu 2 mil eleitores em 121 municípios entre 7 e 11 de setembro. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, para cima ou para baixo. O índice de confiança chega a 95%. O nome de Haddad foi apresentado aos eleitores com a informação de que é apoiado por Lula. Veja no quadro: Um pouco mais da metade dos entrevistados (53%) reconhece Haddad como o candidato do ex-presidente. O petista, confirmado na terça-feira 11 como o cabeça de chapa na coligação com o PCdoB, também é o menos conhecido entre os postulantes a ocupar o Palácio do Planalto: 42% informam saber de quem se trata e outros 37% afirmam conhece-lo só de nome. O petista chega a 31% no Nordeste e tem seu pior desempenho na região Sul (11%), mesmo

humorista Marcelo Adnet mostra que a maioria das pessoas que condenam a corrupção é corrupta

Você abomina corrupção, certo? Mas será que nunca furou fila no banco, estacionou em vaga de deficiente, não devolveu o dinheiro do troco errado que recebeu, ‘molhou’ a mão de agentes de trânsito para não ser multado, falsificou uma carteirinha de estudante para pagar meia-entrada ou fez um retorno na contramão? São esses episódios do dia a dia do brasileiro que o humorista Marcelo Adnet aborda no Musical do  Jeitinho Brasileiro  ( assista ao vídeo completo aqui ), um dos esquetes exibidos na Rede Globo nesta terça-feira (19), na estreia da nova temporada do programa  Tá No Ar, programa capitaneado pelo próprio Adnet. “Eu deixo uma cerveja [propina] que é pra não pagar fiança. É a vida: corrompida e corrompida”, diz o início da música – uma versão de  O Que é, o Que é,  de Gonzaguinha. “A lei diz que, quando entrar um idoso tenho que levantar. Mas finjo que não vejo a velhinha, fecho o olho e dou aquela dormidinha”, diz outro trecho da esquete. Com boa dose de ironia, o humo

A atriz Marieta Severo rebate Fausto Silva no programa do apresentador sobre a situação do Brasil

O próximo empregado da Globo a sofrer ameaça de morte, depois de Jô Soares, será Marieta Severo. Pode anotar. Marieta foi ao programa do Faustão, uma das maiores excrescências da televisão mundial desde a era peleozóica. Fausto Silva estava fazendo mais uma daquelas homenagens picaretas que servem, na verdade, para promover um programa da emissora. Os artistas vão até lá por obrigação contratual, não porque gostem, embora todos sorriam obsequiosamente. O apresentador insiste que são “grandes figuras humanas”. Ele se tornou uma espécie de papagaio do que lê e vê em revistas e telejornais, tecendo comentários sem noção sobre política. Em geral, dá liga quando está com uma descerebrada como, digamos, Suzana Vieira ou um genérico de Toni Ramos. Quando aparece alguém um pouco mais inteligente, porém, ele se complica. Faustão anda tão enlouquecido em sua cavalgada que não lembrou, talvez, de quem se tratava. Começou com uma conversa mole sobre o Brasil ser “o país da desesper