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Paulo Moreira Leite: Ao propor aumento da idade mínima para aposentadoria, o governo prejudica os próprios aliados

A experiência política ensina que todo governo comete erros graves, que representam algo mais que o trivial tiro no pé. Mas há erros ainda piores, de caráter suicida.

Este é o caso da tentativa do Planalto de trazer de volta o debate da reforma da Previdência.

Não vamos entrar na discussão sobre a necessidade ou não de se modificar as regras da previdência pública, sobre as contas, a demografia e todo um blá-blá-blá que tem a idade do Consenso de Washington.

Neste momento particular da política brasileira, o essencial é registrar que a população já captou a mensagem política.

Quando se eleva a idade mínima para a aposentadoria, cria-se uma barreira para quem começou a trabalhar mais cedo – e quem se prejudica é o mais pobre.

O aspecto suicida reside na oportunidade da iniciativa. É incompreensível.

Em 16 de dezembro, o governo foi retirado do abismo político pela maior e mais legítima mobilização popular em defesa do mandato de Dilma ocorrida desde o início do segundo mandato, em janeiro de 2015.

Menos de quinze dias depois, quando o país respira um novo oxigênio, que estimulou a reação do Supremo contra a manobra de Eduardo Cunha e obrigou a oposição a refazer seus cálculos para tentar um novo ataque a presidente, a Previdência volta aos debates.

Para quê?

As centrais sindicais nem precisavam divulgar uma pesquisa mostrando que mais de 90% dos trabalhadores rejeitam novas mudanças.

Após dar uma irretocável demonstração de lealdade a um governo que ajudou a eleger nas jornadas decisivas do segundo turno de 2014, não era possível cogitar uma resposta dessa natureza, que traduz uma imensa indiferença pelas reivindicações e interesses dos próprios aliados, aqueles que foram capazes de se mobilizar numa hora tão difícil.

Claro que seria ingenuidade e até errado esperar uma mudança de curso como recompensa, o anúncio de um benefício, um bônus-lealdade.

Mas como entender um ataque direto, frontal, que só vai prejudicar quem foi às ruas defender o governo e desmoralizar as lideranças que bateram de porta em porta para assegurar um dia memorável na história das lutas democráticas?

Vale até pensar numa fábula infantil, Pedro e o Lobo. Qualquer pessoa que teve a oportunidade, na infância, de ouvir a história da desventura daquele menino que se divertia lançando alarmes falsos para assustar vizinhos da aldeia, até que acabou abandonado por homens e mulheres que antes corriam para salvar sua vida, sabe o risco que um governo, qualquer governo, pode correr, após tantas iniciativas desse tipo.

Não custa lembrar alguns fatos importantes. A primeira derrota séria do governo Dilma, em 2015, envolveu a rejeição de um primeiro projeto para a Previdência. Foi uma iniciativa politicamente tão desastrosa que provocou uma rebelião na base parlamentar. Deputados do PT se recusaram a votar com o governo, permitindo a construção do projeto 95-85, pelo menos mais respirável. Isso chamou atenção, na época, por uma razão simples. Tentando ser fiel a seus aliados e eleitores, a base deixou de acompanhar o governo, exibindo Dilma numa posição de orfandade absoluta, incapaz de compensar a perda de aliados pela conquista de novos amigos.

Numa reconstrução histórica, pode-se registrar em 2003 a primeira derrota política importante de Lula. O motivo, de novo, foi a reforma da Previdência.

Convencido de que deveria levar adiante um projeto que até Fernando Henrique Cardoso encaminhou apenas parcialmente, demonstrando uma preocupação compreensível para evitar uma derrota capaz de comprometer definitivamente a sobrevivência do projeto tucano, Lula decidiu levar a reforma da Previdência em frente.

Com o tempo, Lula teve até a competência de abandonar a tese mais drástica e fatal, que proponha desvincular o salário mínimo da Previdência, visão que chegou a fazer maioria no ministério, mas enfrentou a resistência de lideranças sindicais e do ministro Ricardo Berzoini.

Mesmo assim, a “reforma da Previdência” animou um protesto de 100 000 pessoas na Esplanada do Ministério, já no primeiro ano do governo. Foi a maior manifestação política depois da posse – contra o governo.

A decisão contribuiu para uma divisão nas fileiras do Partido dos Trabalhadores, num processo que explica a formação do PSOL, cujos efeitos mais profundos seriam notados com o passar dos anos. Mais grave, produziu um primeiro mal-estar entre o presidente operário e o movimento popular.

Apesar disso, o momento político e econômico era outro. Havia folga de caixa, o que tornou possível a elaboração do Bolsa Família e de um programa de recuperação do salário mínimo que, entre várias novidades positivas, transformou os aposentados em prósperos cidadãos das cidades remotas do país, capazes de sustentar famílias e até atrair garotas casadoiras. (Isso geraria o abuso nas pensões por morte, mas é possível deixar essa discussão de lado, agora).

Em 2015, a situação é outra, no mundo e no Brasil.

Não se vive uma conjuntura de novas conquistas – mas um período de resistência, onde a maioria dos brasileiros tenta defender as vitórias e benefícios que permitem uma existência num padrão mais civilizado. O orçamento integral do Bolsa Família em 2016 só foi preservado no último minuto, quando se resolveu reduzir o superávit primário em 2 pontos. Foi o golpe de misericórdia para a permanência de Joaquim Levy na Fazenda e a posse de Nelson Barbosa.

Apenas um cálculo pode explicar que a ideia de reformar a Previdência tenha sido retirada do arquivo onde deveria permanecer.

É um exercício mental conhecido. Já que temos um ministro olhado com forçada suspeição pelo mercado, tenta-se recorrer ao velho truque de procurar seduzir adversários poderosos e influentes a partir de propostas sedutoras, na esperança de acalmar tanta desconfiança e a má vontade.

Parece tentador, no plano psicológico, mas não funciona, no plano político.

A resposta à boa vontade inicial de Lula – que incluiu a Previdência, a Carta ao Povo Brasileiro, uma transição que não olhava para trás e deixou várias mazelas no armário -- foram as denúncias da AP 470, que estiveram a ponto de interromper seu mandato antes da hora. Lula, como se sabe, foi salvo por quem foi a rua avisar: “Lula é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo”.

Dilma salvou-se da derrota para Aécio em 2014, pela mobilização popular que foi à rua em sua defesa, para impedir uma virada golpista numa eleição já definida. Tomou posse anunciando o ajuste fiscal e recebeu o troco sem anestesia – o pedido de impeachment, que está enfraquecido, mas só poderá ser afastado quando o governo reconstruir sua base política.

Nessa hora, a última iniciativa a ser tomada envolve prejudicar os próprios aliados. Para além de toda análise de mérito num debate, cabe reconhecer o ponto inicial: o governo não tem gordura para queimar.

Alguma dúvida?

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