Pular para o conteúdo principal

Juristas assinam manifesto contra magistrada que prendeu homem negro só porque estava próximo do Fórum

Justificando - Diversos advogados têm repudiado a conduta da magistrada Yedda Christina Ching San Filizzola Asunção, titular de uma vara criminal no Rio de Janeiro, que na última semana protagonizou diversos episódios de autoritarismo, a começar pela voz de prisão contra um morador de rua que estava na calçada do Fórum. Yedda determinou sua prisão por “desobediência”, crime de menor potencial ofensivo contra o qual não cabe flagrante, por ele estar na “área de segurança do Fórum”.
Em seguida, tendo em vista a repercussão do vídeo (veja abaixo) que flagrava a atitude da juíza, Yedda “determinou” que ninguém repercutisse o material, por entender que tratava de uma violação ao seu direito de imagem. A aventura da magistrada foi bem recebida entre seus pares. Em nota, a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro manifestou apoio à juíza.
No entanto, obviamente, a conduta não intimidou juristas cariocas que se organizaram em solidariedade a Natanael, homem preso por Yedda. Em nota, juristas deste manifesto repudiam – publicamente – o comportamento apresentado pela magistrada Yedda Christina Ching San Filizzola Asunção, que, sem qualquer fundamento legal, deu voz de prisão ao nacional Natanael do Nascimento, sob o argumento de que estaria cometendo crime de desobediência.
Como resposta à magistrada e à Associação, que desqualificaram Natanael como “agressivo” e uma “ameaça”, juristas fizeram um contraponto – “Cumpre-nos informar que o Sr. Natanael do Nascimento é oriundo do Paraná, apresenta sinais de comprometimento psicológico e se retirou daquele ente da federação em razão de ter sofrido ameaças de morte. Não possui qualquer vínculo na cidade do Rio de Janeiro, encontra-se em situação de rua e entendeu que a proximidade ao Plantão Judicial poderia representar segurança para a sua integridade”.
Confira o manifesto divulgado pelos juristas
Mesmo diante de um caótico cenário marcado pelas mais diversas crises – econômica, política, de segurança pública, entre outras – em hipótese alguma se justifica a opção pelo abandono do legítimo projeto sociopolítico estabelecido em 05 de outubro de 1988.
O processo histórico brasileiro, infelizmente, é rico de funestos exemplos que apontaram pelo desvio do Estado de Direito. Todas essas situações são marcadas pelo signo do autoritarismo de uma sociedade que ainda não conseguiu acertar as suas contas com o passado.
Diante desse cenário, os signatários deste manifesto repudiam – publicamente – o comportamento apresentado pela magistrada Yedda Christina Ching San Filizzola Asunção, que, sem qualquer fundamento legal, deu voz de prisão ao nacional Natanael do Nascimento, sob o argumento de que estaria cometendo crime de desobediência, uma vez que teria se recusado a sair da via pública que compõe o perímetro de segurança do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro.
Cumpre-nos informar que o Sr. Natanael do Nascimento é oriundo do Paraná, apresenta sinais de comprometimento psicológico e se retirou daquele ente da federação em razão de ter sofrido ameaças de morte. Não possui qualquer vínculo na cidade do Rio de Janeiro, encontra-se em situação de rua e entendeu que a proximidade ao Plantão Judicial poderia representar segurança para a sua integridade.
Ledo engano. Foi tratado de modo semelhante aos antigos hereges, isto é, como inimigo da ordem imposta. Qual? Aquela imposta por quem o prendeu, donde a heresia (ou o “crime” de Natanael) é o de não ser “normal” conforme o padrão estabelecido por quem lhe deu voz de prisão.
Aliás, ao contrário do que veio a ser divulgado, Natanael não dorme nas dependências do aludido prédio público. Em um cenário higienista, o único risco que sua presença pode representar é a do contato com a miséria.
Afora isso, basta uma simples ida ao Plantão Judiciário para constatar a seletividade do argumento empregado pela juíza de direito mencionada, uma vez que, na aludida área do perímetro de segurança do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, existem diversas cadeiras de espera para a população aguardar o atendimento realizado pelos atores jurídicos. Há, inclusive, de se questionar a razão da preocupação com a segurança do Palácio da Justiça não ter, ainda, ensejado a prisão daqueles parentes que diariamente lutam, por exemplo, por uma internação por seu parente doente na rede pública.
Sem qualquer exagero, afirmamos que a prisão de Natanael é também simbólica, pois representa a nua e crua criminalização da pobreza e isso não pode ser tolerado por todos os integrantes do concerto comunitário.
As cenas do lamentável episódio demonstram a mais completa incapacidade da aludida autoridade judicial compreender que o espaço público não pode ser apropriado ao bel prazer de quem quer que seja e que, em um proclamado Estado Democrático de Direito, o exercício do poder não pode ser considerado como um ato de vontade.
Se não bastasse o arbitrário comportamento por parte de quem deu voz de prisão sem qualquer fundamento fático e jurídico, há de se questionar a posterior tentativa de impedir com que as imagens circulassem, sob o argumento de que estaria sendo violado o direito à imagem. O deplorável episódio se deu em via pública e praticado por autoridade pública, não sendo, portanto, crível valer-se de um argumento que tenciona tão-somente ocultar o teratológico.
Em tempos sombrios, marcado pelo autoritarismo e o total abandono da alteridade, atitudes como aquela perpetrada pela Magistrada Yedda Christina Ching San Filizzola Asunção até podem consagrar nomes (porque deles se falará), mas põe de joelhos estruturas inteiras, a começar pela Constituição. E os resultados são desalentadores (para não dizer: desastrosos), porque representam a destruição da fraternidade e, por via de consequência, sepultam nossas esperanças.
O que se fez contra o Senhor Natanael permite-nos afirmar, com um profundo sentimento de vergonha, que, em pleno século XXI e sob os auspícios de um Estado Democrático de Direito, ainda existem pessoas que, antes mesmo de nascer, já estão condenadas. O crime? Existir.
Eis por que coerentes com o compromisso constitucional, os signatários esperam que os órgãos competentes apreciem, sob o pálio das garantias fundamentais e do devido processo legal, a conduta de quem decidiu prender um cidadão morador de rua, com sérios indícios de comprometimento psicológico e cuja única ameaça que traz consigo é representar a população miserável.
Por fim, manifestamos nossa indignação com a notícia de que, após este fatídico episódio, a Magistrada Yedda Christina Ching San Filizzola Asunção fora designada para realizar as audiências de custódias do TJRJ. Isto, a toda evidência, é, se não apenas absurdo, também cômico, porque, depois de demonstrar total descompostura, fora designada para realizar o primeiro contato do Poder Judiciário com cidadãos acusados de crimes.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colunista do Globo diz que Bolsonaro tentará golpe violento em 7 de setembro. Alguém duvida?

Em sua coluna publicada neste sábado (11) no  jornal O Globo , Ascânio Seleme afirma que, "se as pesquisas continuarem mostrando que o crescimento de Lula se consolida, aumentando a possibilidade de vitória já no primeiro turno eleitoral, Jair Bolsonaro vai antecipar sua tentativa de golpe para o dia 7 de setembro".  I nscreva-se no Canal  Francisco Castro Política e Econom ia "Será uma nova setembrada, como a do ano passado, mas desta vez com mais violência e sem freios. Não tenha dúvida de que o presidente do Brasil vai incentivar a invasão do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. De maneira mais clara e direta do que em 2021. Mas, desde já é bom que ele saiba que não vai dar certo. Pior. Além de errado, vai significar o fim de sua carreira política e muito provavelmente o seu encarceramento", afirmou Seleme.  O colunista lembrou que, "em 7 de setembro do ano passado, Bolsonaro chamou o ministro Alexandre de Moraes de canalha, disse que n...

Tiraram a Dilma e o Brasil ficou sem direitos e sem soberania

Por Gleissi Hoffimann, no 247 Apenas um ano após o afastamento definitivo da presidenta Dilma pelo Senado, o Brasil está num processo acelerado de destruição em todos os níveis. Nunca se destruiu tanto em tão pouco tempo. As primeiras vítimas foram a democracia e o sistema de representação. O golpe continuado, que se iniciou logo após as eleições de 2014, teve como primeiro alvo o voto popular, base de qualquer democracia e fonte de legitimidade do sistema político de representação. Não bastasse, os derrotados imediatamente questionaram um dos sistemas de votação mais modernos e seguros do mundo, alegando, de forma irresponsável, “só para encher o saco”, como afirmou Aécio Neves, a ocorrência de supostas fraudes. Depois, questionaram, sem nenhuma evidência empírica, as contas da presidenta eleita. Não faltaram aqueles que afirmaram que haviam perdido as eleições para uma “organização criminosa”. Essa grande ofensiva contra o voto popular, somada aos efeitos deletérios de ...

Pesquisa Vox Populi mostra o Haddad na liderança com 22% das intenções de votos

Pesquisa CUT/Vox Populi divulgada nesta quinta (13) indica: Fernando Haddad já assume a liderança da corrida presidencial, com 22% de intenção de votos. Bolsonaro tem 18%, Ciro registra 10%, Marina Silva tem 5%, Alckmin tem 4%. Brancos e nulos somam 21%. O Vox Populi ouviu 2 mil eleitores em 121 municípios entre 7 e 11 de setembro. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, para cima ou para baixo. O índice de confiança chega a 95%. O nome de Haddad foi apresentado aos eleitores com a informação de que é apoiado por Lula. Veja no quadro: Um pouco mais da metade dos entrevistados (53%) reconhece Haddad como o candidato do ex-presidente. O petista, confirmado na terça-feira 11 como o cabeça de chapa na coligação com o PCdoB, também é o menos conhecido entre os postulantes a ocupar o Palácio do Planalto: 42% informam saber de quem se trata e outros 37% afirmam conhece-lo só de nome. O petista chega a 31% no Nordeste e tem seu pior desempenho na região Sul (11%), me...