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A economista Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins e pesquisadora do Instituto Peterson |
A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia
Internacional e professora da Universidade Johns Hopkins, em Washington, chegou
a experimentar um breve momento de otimismo cauteloso com a economia brasileira
no início do Governo Michel
Temer. Mas esse sentimento não durou nem seis meses. A discussão e a
aprovação da emenda
do teto dos gastos públicos acabou com qualquer boa expectativa. E, depois
da revelação
da investigação sobre a suposta trama de corrupção envolvendo Temer e o
empresário Joesley Batista, sócio da JBS, ela passou a defender que o presidente
devia renunciar ao mandato. Ex-diretora da Casa das Garças, tradicional reduto
do pensamento econômico liberal no Brasil, De Bolle, mesmo favorável a
privatizações, critica a proposta de Temer, que considera inoportuna. "Querem
realmente vender ativos pra pagar o déficit primário? Estão vendendo o almoço
pra pagar o jantar", afirma. Para a economista, as iniciativas ousadas e
polêmicas de Temer são tentativas de "criar espuma" para agradar ao mercado.
"Estão criando espuma desde o ano passado com todas as reformas e viram que
criar espuma é bom, porque mudou expectativas. Então continuaram com a mesma
tática", critica.
Pergunta. Qual a lógica do lançamento repentino de um
projeto de privatizações por Temer?
Resposta. Uma coisa que tem sido absolutamente marcante no
Governo Temer é essa tendência de querer fazer grandes manchetes e grandes
esperanças, mas no final das contas entregar algo muito aquém do prometido.
Temer faz promessas grandiosas, esperando que vai transformar o Brasil em dois
anos. Houve uma tentativa bem sucedida de reverter o processo inflacionário,
talvez mais influenciado pela recessão do que outra coisa, mas ao menos o Banco
Central deu sinalizações corretas e vemos alguma
recuperaçãozinha no consumo por conta disso. Houve tentativas de dar o
pontapé em reformas, não geraram grande coisa, mas foi um início. Teve uma
mudança na administração da Petrobras e mudanças no marco regulatório do pré-sal
que foram importantes. Mas, para além disso, o problema é que esse Governo tenta
o tempo inteiro inflar manchete e no fim das contas entrega a rebimboca da
parafuseta. O
teto do gasto público é um pouco disso: foi anunciado como algo
revolucionário, mas para ser funcional depende da reforma da Previdência que não
vai ter. E o Governo Temer trata os seus críticos da mesma forma que Dilma
tratava. Nesse aspecto, é muito parecido com o governo anterior. Como Temer tem
pouco tempo pra entregar resultados, está fazendo tudo no afogadilho. Teto de
gastos foi feito no afogadilho e agora privatizações são feitas no afogadilho. O
princípio de fazer privatizações é inquestionável. Mas sair anunciando um listão
de liquidação de não sei quantos ativos, só pra botar manchete gorda, e depois
ter menos de um ano pra entregar não parece nem um pouco viável. Querem
realmente vender ativos para pagar o déficit primário? Estão vendendo o
almoço para pagar o jantar. É pra isso que querem fazer privatizações? A
legitimidade é absolutamente questionável, porque vimos, na área fiscal, o
Governo dizer e fazer coisas opostas. Temer teve que fazer o fisiologismo
clássico do PMDB para conseguir se manter onde está. Sacrificou-se
o ajuste fiscal no altar do Temer — o espetáculo da Câmara discutindo a
denuncia contra ele foi exatamente isso. E se pegar a lista de ativos que vão
ser privatizados, tem um monte de coisas que estavam na lista da Dilma. Muita
coisa requentada.
Por que com Dilma era ruim e com Temer é bom? Está todo
mundo com espuma no olho e não consegue observar
direito
P. E parece um bom momento para privatizar? Podem comprar os
ativos por preços justos?
R. Por um preço qualquer, até tem gente pra comprar. Mas
esses ativos têm valor. Vão vender a preço de banana? Estão vendendo a preço
justo? O momento no Brasil não condiz com nenhum cálculo razoável de preço
justo. Nas condições atuais, ninguém vai pagar o preço justo, porque ninguém
sabe o que acontece depois de 2018. O
grau de incerteza em relação a essas privatizações é imenso. Então qualquer
empresa ou grupo que venha a querer comprar alguns desses ativos vai querer o
desconto pela incerteza e o desconto pelo desespero do governo também. Essa
privatização soa oportunismo e esse é o Governo de oportunismo por excelência. É
uma tentativa de agradar o mercado, porque, afinal de contas, não vai acontecer
mais nada nesse Governo. E tem uma tentativa de criar espuma. Estão criando
espuma desde o ano passado com todas as reformas e viram que criar espuma é bom,
porque mudou expectativas. Deu certo. Então continuaram com a mesma tática.
Qualquer pessoa que pare e pense a respeito chega à conclusão de que não vão
conseguir vender nada ou, se conseguirem, vai ser a preço de banana.
P. Seria possível ter metas fiscais mais rigorosas se Temer
não tivesse uma situação tão frágil?
Essa privatização soa a oportunismo e esse é o governo de
oportunismo por excelência.
R. Não há dúvida que não estaríamos em situação tão ruim
quanto estamos se não
fosse a necessidade de Temer e de outros políticos de se defenderem a
qualquer custo das acusações contra eles, sejam elas fundamentadas ou não. É o
fisiologismo clássico do PMDB aliado a uma necessidade de sobrevivência
política, que piora o fisiologismo. Isso conspira desfavoravelmente ao ajuste
fiscal. Sem dúvida alguma, perspectivas desse ano e do próximo também estão bem
piores. Esse Governo antes de qualquer coisa quer a sobrevivência política. É a
ponte para o futuro deles. Não é a ponte para o futuro do Brasil.
P. Há diferença fundamental entre perdoar dívidas em
programas de refinanciamento tributário e dar isenções tributárias como
Dilma?
R. Tanto a desoneração quanto o refinanciamento de dívidas
geram incentivos perversos. Porque o que você está dizendo pra empresa que
deixou de pagar impostos é que em algum momento você vai perdoar. Pra que
empresa vai pagar imposto se em algum momento vai pagar? Então cria um risco
moral e vamos lembrar o seguinte. Quando Temer começou mandato, o ministério da
Fazenda não queria ouvir falar de refinanciamento. Isso foi super criticado.
Quando era a Dilma fazendo refinanciamento, todo mundo saiu dizendo que era
péssima ideia. Quando
Temer faz, fica tudo bem. Por que com Dilma era ruim e com Temer é bom? Está
todo mundo com espuma no olho e não consegue observar direito. É a sensação que
dá. Não tem coerência. Se você criticava lá atrás, tem que criticar agora. Se
você criticava listas de concessões da Dilma, tem que criticar listas de
privatização do Temer, porque é a mesma coisa. Se você criticava revisões de
meta da Dilma, tem que criticar revisões de meta do Temer.
Esse governo antes de qualquer coisa quer a sobrevivência
política. É a ponte para o futuro deles.
P. Qual a diferença entre um Governo Temer e um governo
Dilma?
R. A diferença entre Dilma e Temer é que Dilma era movida
por ideologia. Ela achava que a economia funcionava de determinada forma — e não
funcionava daquele modo. Tanto assim que deu no que deu. Fez um monte de
experimentos e deixou o país em situação péssima, tudo isso por ideologia. Temer
não faz nada por ideologia, faz por fisiologia. Temer
é pragmático para fazer a ponte do futuro dele. Práticas escusas existiam e
continuaram existindo depois de Dilma. E, sendo Temer vice-presidente de Dilma,
não houve descontinuidade nesse sentido. Entre um e outro, as escolhas de
política econômica acabaram sendo parecidas por razões diferentes. Dilma queria
que economia crescesse de qualquer jeito e deu tudo errado. Temer não: faz o que
tem de ser feito para conseguir ficar onde está. E por isso o país paga um
preço. Mas acaba sendo um tipo semelhante de desordem. No lado fiscal, estamos
igual ou pior do que estávamos.
P. Nesta quinta-feira, o
impeachment de Dilma Rousseff completa um ano. Qual vai ser o legado do
Governo Temer?
R. Temer não tem legado para deixar. Tem pra deixar o fim de
um ciclo. O fim do Governo Temer vai demarcar o fim do ciclo do PT no Governo.
Pelo menos desse PT que começou em 2003 com Lula. Isso não acabou no fim do
governo Dilma, porque as práticas que estão aí continuam sendo exatamente as
mesmas. Temer é parte absoluta desse ciclo do que se passou nessa década e meia.
Não tem como ele se dissociar disso. Espero que nós todos tenhamos a sobriedade
de saber eleger alguém decente, que saiba fazer um bom governo de verdade a
partir de janeiro de 2019, porque fica um problema gravíssimo fiscal para
próximo governo se resolver. Foi o ex-ministro da Fazenda Joaquim
Levy quem começou a limpar todas as pedaladas das contas públicas. O Governo
Temer ainda achou muita porcaria escondida, mas já tinham herdado do Levy um bom
início de faxina nas contas públicas. Mas ao próximo governo será entregue o
seguinte: contas
em frangalhos, déficit alto, dívida pública crescendo. Porém, boa parte dos
esqueletos fiscais já terão aparecido. Não sei se todos.
Do El País
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