Pular para o conteúdo principal

A reconstrução da esquerda no Brasil a partir de seus escombros deixados pelas eleições de 2016. Será possível?

Por Aldo Fornazieri, no GGN
As eleições municipais - primeiro e segundo turno - tiveram o efeito de uma bomba termobárica sobre o PT em particular e sobre a esquerda em geral. Com os resultados, as estruturas institucionais de poder foram drasticamente reduzidas. Isto importa perda de capacidade de articulação, de mobilização e de interação política e social. No segundo turno, a derrota do PT foi ampliada: não venceu em nenhuma prefeitura que disputou e do chamado cinturão vermelho da Grande São Paulo não sobrou nada. Em que pese as boas votações no Rio de Janeiro e em Belém, o PSol não consegui se viabilizar como a alternativa de esquerda que imaginava ser.
Das eleições emergiu um cenário que já se tornou mais ou menos óbvio: o grande vitorioso é o PSDB, com o fortalecimento de Alckmin e enfraquecimento de Aécio Neves; partidos pequenos e médios, situados ao centro e à direita, se fortaleceram, o que poderá dificultar a reforma partidária e a introdução da cláusula de barreira; com a vitória de Crivella se fortalece o projeto político da Igreja Universal e o conservadorismo no âmbito dos direitos civis e individuais e no terreno dos valores e costumes; o bloco de sustentação do governo Temer deverá prolongar a sua unidade reforçando a tendência de aprovação de reformas conservadoras; com  viabilização do governo Temer, seja pelas vitórias eleitorais do campo que o apóia seja pela aprovação da PEC 241 por ampla margem na Câmara dos Deputados, a ameaça de afastamento do presidente  pela via de decisão do TSE foi praticamente afastada.
A contraparte do avanço do conservadorismo é a desmobilização, a desorganização, a desorientação, a fragmentação e a cisão das esquerdas. O "fora Temer" perdeu a capacidade mobilizadora e se tornou uma espécie de lamento de inconformados. O combate à PEC 241 foi pífio e as esquerdas e movimentos sociais não foram capazes de apontar uma alternativa. As Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo vivem um momento de perda de capacidade de articulação e mobilização. Os novos movimentos sociais, dos estudantes que ocupam escolhas aos movimentos de periferia, dos grupos feministas e LGBTs aos círculos e grupos sociais, o que há é uma rejeição e críticas aos partidos de esquerda. Das lideranças democráticas e progressistas, o único que saiu ileso e relativamente fortalecido desse processo foi Ciro Gomes.
As ilusões das esquerdas e os difíceis caminhos da reconstrução
A maior ilusão do PT consiste em alimentar a crença de que um possível fracasso do governo Temer poderá significar a sua ressurreição em 2018. Muitos petistas não se deram conta do que aconteceu com o partido: ele é odiado, rejeitado pelas pessoas em geral e por parcela grande de trabalhadores e classes médias. A recuperação do PT demandará anos. A derrota eleitoral poderá se ampliar em 2018, com uma grave redução de sua bancada federal e com o quase desaparecimento de sua força no Senado. Dos 10 senadores do partido, 8 terão que buscar a reeleição nesse quadro difícil.
Convém lembrar que se o PSDB vencer as eleições em 2018, terá demorado 16 anos para voltar ao poder. O PSDB saiu do governo enfraquecido, mas não destruído. Manteve estruturas de poder e a condição de ser um dos polos da disputas presidenciais em todas as eleições. O PT enfrenta graves limitações de poder e de capacidades políticas e intelectuais. Se nada de extraordinário acontecer, terá que passar uma geração para que o partido possa adquirir maior potência política.
A grande ilusão do PSol é a de que ele poderá ocupar o espaço e a importância que o PT teve. Ocorre que o processo de ascensão do PT se deveu à combinação de uma série de singularidades, ocasiões, circunstâncias, capacidades e lideranças, força política e social e virtuosidades que dificilmente se repetirá na história. O lugar que cada ator pretende ocupar no espaço político não depende apenas da vontade, mas da ocorrência dessas singularidades. Ademais, as idiossincrasias internas do PSol também são um fator limitante ao seu crescimento. O partido deveria se dar por muito satisfeito, levando em conta o que ele é hoje, se um dia chegasse a 10% dos votos nacionais. Já o PC do B, com seu aguçando senso de realismo, parece compreender melhor o espaço político que pode ocupar.
Em que pesem essas ilusões e a paralisia dos partidos ocorrem algumas importantes iniciativas com o objetivo de encontrar novos caminhos para as esquerdas. Duas delas são confluentes numa perspectiva estratégica. A primeira delas diz respeito à ideia da organização de uma frente democrática e progressista, não só para enfrentar as eleições de 2018, mas para criar um campo unificado de partidos e movimentos sociais, mantendo as respectivas pluralidades,  tendo em vista uma perspectiva de futuro. A segunda propõe a realização de um processo de prévias, com filiados e não filiados aos partidos progressistas e de esquerda, visando definir as candidaturas para 2018 e elaborar um programa de governo. Esse processo poderia servir também como instrumento de organização de uma frente. A dificuldade dessas iniciativas reside na pouca propensão dos partidos de esquerda de se unirem, mesmo na desgraça.
Outras iniciativas articulam a estruturação de institutos de estudos e debates, grupos e movimentos políticos e reunião de entidades e movimentos visando enfrentar a pauta conservadora e construir uma agenda política em face da paralisia dos partidos. Os movimentos sociais autônomos devem continuar crescendo e se mobilizando em torno de pautas específicas. Mesmo que sejam refratários aos partidos há a necessidade de construir um diálogo democrático com os mesmos com o objetivo de elaborar um programa universalizante. Os movimentos autônomos que surgiram nos últimos anos, em vários países, foram importantes nas mobilizações, mas mostraram os seus limites nos embates contra as estruturas de poder existentes.
Os imponderáveis da conjuntura
A esmagadora vitória dos partidos conservadores poderá encontrar alguns percalços na caminhada para a sua consolidação rumo as eleições presidenciais. O maior dele são as imponderalibilidades e incertezas que podem brotar da Lava Jato, com as delações da Odebrecht e, possivelmente, de Eduardo Cunha. Essas delações podem provocar estragos nas lideranças nacionais do PSDB e do PMDB. É certo que há movimentos para frear a Lava Jato, anistiar o "caixa 2" e limitar as investigações de corrupção. Alguns desses movimentos são, inclusive, respalados pelo PT em mais um de seus equívocos na vã esperança de que poderá salvar alguns de seus líderes. Essas limitações, anistias e freios visam salvar os políticos do PSDB e do PMDB já que estes ainda não se tornaram réus. Mesmo que essas limitações e anistias venham as ser implementadas, não beneficiarão os petistas, alguns já condenados e outros já réus por imputações que não são de "caixa 2".
As esquerdas precisam distinguir o que são arbitrariedades da Lava Jato da necessidade de investigar e punir também os políticos do PSDB e do PMDB. Devem exigir a renúncia dos ministros citados e denunciar a proteção que se procura estabelecer para o atual governo. Se é verdade que a indignação contra a corrupção foi seletiva, caso não haja uma forte campanha de denúncias contra essas manobras protecionistas, o PT passará para a história carregando com exclusividade o ônus da corrupção do nosso tempo.
O segundo percalço que pode ocorrer é o fracasso do governo Temer e a cisão do seu bloco de sustentação. O programa do governo, sem dúvida, deverá aumentar o desemprego, precarizar as relações  de trabalho, reduzir direitos e provocar o fechamento de fábricas e indústrias. Este tipo de programa, mais radical do que os anos de neoliberalismo de FHC, tende a cindir a base e provocar mobilizações sociais. Dada a crise econômica, o governo tem pouca margem de manobra para enfrentar essa possível situação. O que poderá sobrevir dessas imponderabilidades é imprevisível. Não de pode descartar a possibilidade de um candidato outsider ou aventureiro triunfar em 2018.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política.  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colunista do Globo diz que Bolsonaro tentará golpe violento em 7 de setembro. Alguém duvida?

Em sua coluna publicada neste sábado (11) no  jornal O Globo , Ascânio Seleme afirma que, "se as pesquisas continuarem mostrando que o crescimento de Lula se consolida, aumentando a possibilidade de vitória já no primeiro turno eleitoral, Jair Bolsonaro vai antecipar sua tentativa de golpe para o dia 7 de setembro".  I nscreva-se no Canal  Francisco Castro Política e Econom ia "Será uma nova setembrada, como a do ano passado, mas desta vez com mais violência e sem freios. Não tenha dúvida de que o presidente do Brasil vai incentivar a invasão do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. De maneira mais clara e direta do que em 2021. Mas, desde já é bom que ele saiba que não vai dar certo. Pior. Além de errado, vai significar o fim de sua carreira política e muito provavelmente o seu encarceramento", afirmou Seleme.  O colunista lembrou que, "em 7 de setembro do ano passado, Bolsonaro chamou o ministro Alexandre de Moraes de canalha, disse que n...

A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO NO RENDIMENTO DO SALÁRIO

É indiscutível a importância do estudo para alavancar o rendimento e a produtividade do trabalho das pessoas, mas ainda não tínhamos uma medida exata para o mercado brasileiro da contribuição da educação para o rendimento do trabalho. No início de outubro deste ano, a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV/RJ) publicou um trabalho em que são apresentadas informações relevantes a respeito da influência do estudo no rendimento do trabalho ou o retorno no investimento em capital humano. Existe uma diferença entre o capital humano geral caracterizado como o aprendizado no ensino fundamental, médio e superior e o capital humano específico que o indivíduo adquire através de sua experiência profissional e cursos específicos. O último é perdido, ao menos em parte, quando o indivíduo passa a exercer outra atividade bem diferente da que exercia, enquanto que o primeiro tipo de capital humano só é perdido com a morte do indivíduo. Em analisando pessoas do mesmo sexo, raça, idade e localid...

Veja em que trabalha e quanto ganha a filha da presidente Dilma Rousseff

Paula Rousseff desfila com Dilma na cerimônia de posse do segundo mandato em 1º de janeiro Marcelo Camargo/Agência Brasil Casada, 39 anos, mãe e procuradora do trabalho no Rio Grande do Sul. Essa é Paula Rousseff Araújo, que, como o sobrenome famoso já entrega, é filha da presidente Dilma Rousseff. Ela é discreta, evita se expor publicamente e, em geral, só é vista em algumas solenidades oficiais da mãe, como no primeiro dia do ano, quando desfilou em carro aberto com Dilma na cerimônia de posse do segundo mandato da presidente. Paula Rousseff entrou no MPT (Ministério Público do Trabalho) do Rio Grande do Sul em 2003 por meio de concurso público. Atualmente, recebe salário de R$ 25.260,20 e exerce a função em Porto Alegre. Funcionários do MPT evitam dar detalhes sobre o comportamento da colega de trabalho, muito menos se atrevem a confirmar se a filha herdou o comportamento linha dura conhecido da mãe. “Ela tem fama de ser uma procuradora muito comp...