Pular para o conteúdo principal

Protestos muito fortes contra provas muito fracas

A apresentação de Janaína Pascoal e Miguel Reale Junior na Comissão Especial que debate o pedido de impeachment de Dilma Rousseff ajuda a compreender o fato essencial da conjuntura política, que é o crescimento da desconfiança e da rejeição aberta contra um projeto que já assumiu o perfil de um golpe de Estado.

Os dois investiram pesado na argumentação de caráter político, naquele tom de quem fala em "mudar tudo" no Brasil sem explicar por que isso tem a ver com a ideia remover de seu posto uma presidente eleita por mais de 54 milhões de votos, contra a qual não se apontam fatos nem provas. Em determinado momento, Janaína Pascoal tentou implicar Dilma nas denúncias da Operação Lava Jato -- insinuação absurda, já que a presidente sequer é investigada nas denúncias.

Ignorando as regras elementares do devido processo legal, os dois pedem a condenação de Dilma a partir de crimes de natureza fiscal sem levar em conta um dado básico. Aquelas despesas apresentados em tom de denúncia, que teriam ocorrido em 2015, o único ano em que uma acusação poderia ter valor num caso de impeachment, pois diz respeito ao mandato atual da presidente, não passaram pelo exame definitivo do Tribunal de Contas da União. Nem pela Comissão Mista do Orçamento e muito menos pelo Congresso, instituições autorizadas a examinar e aprovar a contabilidade de qualquer governo. Se isso tivesse ocorrido, teria sido fácil demonstrar que os decretos que autorizaram gastos limitaram-se a mudar partilhas no orçamento de cada ministério. Não alteram os números finais de cada pasta nem a despesa total do governo.

Na realidade, a denúncia pertence a complexa categoria da compilação de notícias, frequentemente disponíveis nos jornais e revistas, que só poderiam adquirir o valor de prova após uma investigação apropriada. Examinada pelo conteúdo, a denuncia contra decretos suplementares e outras manobras fiscais, que seriam simples truques para maquiar a contabilidade e esconder despesas sem autorização, perde qualquer validade depois que no mesmo ano de 2015 o governo promoveu um contingenciamento monstro de R$ 69,9 bilhões. Foi o maior corte de gastos da história dos orçamentos brasileiros, num volume suficiente para silenciar qualquer crítica em nome da austeridade e controle de despesas.

A preferência política anti-PT dos dois advogados é bem conhecida. Antigo ministro no governo Fernando Henrique Cardoso, no final de em 2005 Miguel Reale Junior chegou a anunciar pelos jornais sua participação em encontros que debatiam as possibilidade de promover o impeachment de Luiz Inácio Lula da Silva na AP 470.

O melhor momento da tarde ocorreu quando um deputado do DEM tentou provocar Jandira Fegali lembrando seu engajamento nas investigações que levaram ao afastamento de Fernando Collor, perguntando por que agora exibia uma atuação oposta diante de Dilma. A parlamentar do PC do B aproveitou a oportunidade para dar uma pequena aula sobre Estado Democrático de Direito. Esclareceu que Collor não foi acusado por dois advogados numa Comissão Especial, mas por uma CPI com poder de investigação, que reuniu provas e testemunhas. Apareceram denúncias que envolviam o presidente diretamente -- o que nunca ocorreu com Dilma. As acusações foram apuradas e confirmadas pela Polícia Federal, a partir do trabalho da equipe chefiada pelo delegado Paulo Lacerda. A defesa teve direito ao contraditório, lembrou Jandira.

A incrível fragilidade da acusação contra Dilma explica o crescimento da reação popular contra o pedido de impeachment, num movimento que vai muito além dos aliados do governo e do Partido dos Trabalhadores. Hoje, 31 de março, a melhor forma de protestar contra o golpe de 64, que mergulhou o país em 21 anos de ditadura, é participar dos protestos contra o golpe programado para 2016. Num sintoma do repúdio a essa tentativa de quebra da legalidade, as 11 da manhã uma centena de artistas e intelectuais estará no Planalto para entregar onze manifestos, de onze setores diferentes, para Dilma Rousseff.

Por Paulo Moreira Leite, do 247

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colunista do Globo diz que Bolsonaro tentará golpe violento em 7 de setembro. Alguém duvida?

Em sua coluna publicada neste sábado (11) no  jornal O Globo , Ascânio Seleme afirma que, "se as pesquisas continuarem mostrando que o crescimento de Lula se consolida, aumentando a possibilidade de vitória já no primeiro turno eleitoral, Jair Bolsonaro vai antecipar sua tentativa de golpe para o dia 7 de setembro".  I nscreva-se no Canal  Francisco Castro Política e Econom ia "Será uma nova setembrada, como a do ano passado, mas desta vez com mais violência e sem freios. Não tenha dúvida de que o presidente do Brasil vai incentivar a invasão do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. De maneira mais clara e direta do que em 2021. Mas, desde já é bom que ele saiba que não vai dar certo. Pior. Além de errado, vai significar o fim de sua carreira política e muito provavelmente o seu encarceramento", afirmou Seleme.  O colunista lembrou que, "em 7 de setembro do ano passado, Bolsonaro chamou o ministro Alexandre de Moraes de canalha, disse que n...

A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO NO RENDIMENTO DO SALÁRIO

É indiscutível a importância do estudo para alavancar o rendimento e a produtividade do trabalho das pessoas, mas ainda não tínhamos uma medida exata para o mercado brasileiro da contribuição da educação para o rendimento do trabalho. No início de outubro deste ano, a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV/RJ) publicou um trabalho em que são apresentadas informações relevantes a respeito da influência do estudo no rendimento do trabalho ou o retorno no investimento em capital humano. Existe uma diferença entre o capital humano geral caracterizado como o aprendizado no ensino fundamental, médio e superior e o capital humano específico que o indivíduo adquire através de sua experiência profissional e cursos específicos. O último é perdido, ao menos em parte, quando o indivíduo passa a exercer outra atividade bem diferente da que exercia, enquanto que o primeiro tipo de capital humano só é perdido com a morte do indivíduo. Em analisando pessoas do mesmo sexo, raça, idade e localid...

Veja em que trabalha e quanto ganha a filha da presidente Dilma Rousseff

Paula Rousseff desfila com Dilma na cerimônia de posse do segundo mandato em 1º de janeiro Marcelo Camargo/Agência Brasil Casada, 39 anos, mãe e procuradora do trabalho no Rio Grande do Sul. Essa é Paula Rousseff Araújo, que, como o sobrenome famoso já entrega, é filha da presidente Dilma Rousseff. Ela é discreta, evita se expor publicamente e, em geral, só é vista em algumas solenidades oficiais da mãe, como no primeiro dia do ano, quando desfilou em carro aberto com Dilma na cerimônia de posse do segundo mandato da presidente. Paula Rousseff entrou no MPT (Ministério Público do Trabalho) do Rio Grande do Sul em 2003 por meio de concurso público. Atualmente, recebe salário de R$ 25.260,20 e exerce a função em Porto Alegre. Funcionários do MPT evitam dar detalhes sobre o comportamento da colega de trabalho, muito menos se atrevem a confirmar se a filha herdou o comportamento linha dura conhecido da mãe. “Ela tem fama de ser uma procuradora muito comp...