Pular para o conteúdo principal

Faltam tantas coisas na área da saúde no Brasil. É de chorar!!!

Há alguns meses eu fiz um plantão em que chorei. Não contei à ninguém (é nada fácil compartilhar isso numa mídia social). Eu, cirurgiã-geral, "do trauma", médica "chatinha", preceptora "bruxa", que carrego no carro o manual da equipe militar cirúrgica americana que atendia no Afeganistão, chorei.

Na frente da sala da sutura tinha um paciente idoso internado. Numa cadeira. Com o soro pendurado na parede num prego similiar aos que prendemos plantas (diga-se: samambaias). Ao seu lado, seu filho. Bem vestido. Com fala pausada, calmo e educado. Como eu. Como você. Como nós. Perguntava pela possibilidade de internação do seu pai numa maca, que estava há mais de um dia na cadeira. Ia desmaiar. Esperou, esperou, e toda vez que abria a portinha da sutura ele estava lá. Esperando. Como eu. Como você. Como nós. Teve um momento que ele desmoronou. Se ajoelhou no chão, começou a chorar, olhou para mim e disse "não é para mim, é para o meu pai, uma maca". Como eu faria. Como você. Como nós.

Pensei "meudeusdocéu, com todos que passam aqui, justo eu... Nãoooo..... Porque se chorar eu choro, se falar do seu pai eu choro, se me der um desafio vou brigar com 5 até tirá-lo daqui".

E saí, chorei, voltei, briguei e o coloquei numa maca retirada da ala feminina.

Já levei meu pai para fazer exame no meu HU. O endoscopista quando soube que era meu pai, disse "por que não me falou, levava no privado, Juliana!" Não precisamos, acredito nas pessoas que trabalham comigo. Que me ensinaram e ainda ensinam. Confio. Meu irmão precisou e o levei lá. Todos os nossos médicos são de hospitais públicos que conhecemos, e, se não os usamos mais, é porque as instituições públicas carecem. Carecem e padecem de leitos, aparelhos, materiais e medicamentos.

Uma vez fiz um risco cirúrgico e colhi sangue no meu hospital universitário. No consultório de um professor ele me pergunta: "e você confia?".

"Se confio para os meus pacientes tenho que confiar para mim."

Eu pratico a medicina. Ela pisa em mim alguns dias, me machuca, tira o sono, dá rugas, lágrimas, mas eu ainda acredito na medicina. Me faz melhor. Aprendo, cresço, me torna humana. Se tenho dívidas, pago-as assim. Faço porque acredito.

Nesses últimos dias de protestos nas ruas e nas mídias brigamos por um país melhor. Menos corrupto. Transparente. Menos populista. Com mais qualidade. Com mais macas. Com hospitais melhores, mais equipamentos e que não faltem medicamentos. Um SUS melhor.

Briguei pelo filho do paciente ajoelhado. Por todos os meus pacientes. Por mim. Por você. Por nós. O SUS é nosso.

Não tenho palavras para descrever o que penso da "Presidenta" Dilma. (Uma figura que se proclama "a presidenta" já não merece minha atenção).

Mas hoje, por mim, por você, pelo meu paciente na cadeira, eu a ouvi.

A ouvi dizendo que escutou "o povo democrático brasileiro". Que escutou que queremos educação, saúde e segurança de qualidades. "Qualidade"... Ela disse.

E disse que importará médicos para melhorar a saúde do Brasil....

Para melhorar a qualidade....?

Sra "presidenta", eu sou uma médica de qualidade. Meus pais são médicos de qualidade. Meus professores são médicos de qualidade. Meus amigos de faculdade. Meus colegas de plantão. O médico brasileiro é de qualidade.

Os seus hospitais é que não são. O seu SUS é que não tem qualidade. O seu governo é que não tem qualidade.

O dia em que a Sra "presidenta" abrir uma ficha numa UPA, for internada num Hospital Estadual, pegar um remédio na fila do SUS e falar que isso é de qualidade, aí conversaremos.

Não cuspa na minha cara, não pise no meu diploma. Não me culpe da sua incompetência.

Somos quase 400 mil, não nos ofenda. Estou amanhã de plantão, abra uma ficha, eu te atendo. Não demora, não.

Não faltam médicos, mas não garanto que tenha onde sentar. Afinal, a cadeira é prioridade dos internados.

Hoje, eu chorei de novo.

Por Juliana Mynssen da Fonseca Cardoso, cirurgiã geral no Hospital Estadual Azevedo Lima, no Rio de Janeiro (CRM-RJ 822370).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colunista do Globo diz que Bolsonaro tentará golpe violento em 7 de setembro. Alguém duvida?

Em sua coluna publicada neste sábado (11) no  jornal O Globo , Ascânio Seleme afirma que, "se as pesquisas continuarem mostrando que o crescimento de Lula se consolida, aumentando a possibilidade de vitória já no primeiro turno eleitoral, Jair Bolsonaro vai antecipar sua tentativa de golpe para o dia 7 de setembro".  I nscreva-se no Canal  Francisco Castro Política e Econom ia "Será uma nova setembrada, como a do ano passado, mas desta vez com mais violência e sem freios. Não tenha dúvida de que o presidente do Brasil vai incentivar a invasão do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. De maneira mais clara e direta do que em 2021. Mas, desde já é bom que ele saiba que não vai dar certo. Pior. Além de errado, vai significar o fim de sua carreira política e muito provavelmente o seu encarceramento", afirmou Seleme.  O colunista lembrou que, "em 7 de setembro do ano passado, Bolsonaro chamou o ministro Alexandre de Moraes de canalha, disse que n...

A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO NO RENDIMENTO DO SALÁRIO

É indiscutível a importância do estudo para alavancar o rendimento e a produtividade do trabalho das pessoas, mas ainda não tínhamos uma medida exata para o mercado brasileiro da contribuição da educação para o rendimento do trabalho. No início de outubro deste ano, a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV/RJ) publicou um trabalho em que são apresentadas informações relevantes a respeito da influência do estudo no rendimento do trabalho ou o retorno no investimento em capital humano. Existe uma diferença entre o capital humano geral caracterizado como o aprendizado no ensino fundamental, médio e superior e o capital humano específico que o indivíduo adquire através de sua experiência profissional e cursos específicos. O último é perdido, ao menos em parte, quando o indivíduo passa a exercer outra atividade bem diferente da que exercia, enquanto que o primeiro tipo de capital humano só é perdido com a morte do indivíduo. Em analisando pessoas do mesmo sexo, raça, idade e localid...

Veja em que trabalha e quanto ganha a filha da presidente Dilma Rousseff

Paula Rousseff desfila com Dilma na cerimônia de posse do segundo mandato em 1º de janeiro Marcelo Camargo/Agência Brasil Casada, 39 anos, mãe e procuradora do trabalho no Rio Grande do Sul. Essa é Paula Rousseff Araújo, que, como o sobrenome famoso já entrega, é filha da presidente Dilma Rousseff. Ela é discreta, evita se expor publicamente e, em geral, só é vista em algumas solenidades oficiais da mãe, como no primeiro dia do ano, quando desfilou em carro aberto com Dilma na cerimônia de posse do segundo mandato da presidente. Paula Rousseff entrou no MPT (Ministério Público do Trabalho) do Rio Grande do Sul em 2003 por meio de concurso público. Atualmente, recebe salário de R$ 25.260,20 e exerce a função em Porto Alegre. Funcionários do MPT evitam dar detalhes sobre o comportamento da colega de trabalho, muito menos se atrevem a confirmar se a filha herdou o comportamento linha dura conhecido da mãe. “Ela tem fama de ser uma procuradora muito comp...