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Veja como ocorre a relação entre poupança, investimentos e taxa de câmbio

Por Marco Flávio da Cunha Resende, professor do Cedepelar/UFMG, é vice-presidente da Associação Keynesiana Brasileira


O crescimento econômico de longo prazo depende do investimento. Sobre este tema, são comuns os seguintes argumentos: 1) quando não há na economia ociosidade de fatores produtivos o aumento do investimento só é possível por meio da inflação (poupança forçada) ou da expansão da absorção de poupança externa (déficits em transações correntes) ou do aumento da poupança nacional; 2) no pleno emprego, o argumento de John Maynard Keynes de que é o investimento que causa a poupança não é válido e, então, a relação causal entre investimento e poupança seria invertida e o aumento do investimento poderia se dar por meio do aumento da poupança doméstica; e 3) o aumento da absorção de poupança externa representa aumento do investimento. Este tema é espinhoso e causa confusão.


Para se entender a relação de causalidade proposta por Keynes é necessário considerar a taxa de câmbio real quando se trabalha com a economia aberta. Esta taxa expressa a relação entre os preços dos bens comercializáveis e não comercializáveis. O aumento daqueles em relação ao preço dos não comercializáveis (depreciação da taxa de câmbio real) leva à redução do consumo de bens comercializáveis e aumento da sua produção, elevando-se as exportações líquidas - o aumento destas corresponde contabilmente à ampliação da poupança nacional, sendo que o investimento é (contabilmente) sempre igual à soma da poupança nacional e da absorção de poupança externa.


Simetricamente, a apreciação da taxa de câmbio real reduz as exportações líquidas, inibe a poupança nacional e estimula a absorção de poupança externa. Note-se que a queda do preço relativo dos bens não comercializáveis representa redução de custo de produção de bens comercializáveis, enquanto a queda do preço relativo destes não enseja, na mesma proporção, redução de custo de produção de bens não comercializáveis. Deste modo, a depreciação da taxa de câmbio real confere viabilidade econômica a plantas produtivas que antes da depreciação cambial eram inviáveis. Logo, o grau de ociosidade dos fatores produtivos depende, entre outros elementos, do nível da taxa de câmbio real.


Na visão pós-keynesiana, quando a apreciação cambial ocorre, verificam-se, simultaneamente, deterioração do saldo em conta corrente, queda da poupança nacional e deslocamento para o exterior do estímulo à formação de poupança proporcionado pelo investimento. Na economia fechada, o investimento gera renda e, via multiplicador dos gastos, gera a poupança nacional. Na economia aberta, este papel do investimento também é exercido pelas exportações: estas geram renda e, via multiplicador, surge a poupança. Assim, as exportações fazem parte da poupança nacional quando não têm como contrapartida importação de bens de consumo. A receita das exportações é usada para importar bens de capital. Tudo se passa como se as exportações fossem o próprio investimento doméstico (produção doméstica de bens de capital) já que a receita das exportações é trocada por importação de bens de capital. Do mesmo modo que ocorre com o investimento, as exportações geram renda, consumo e poupança nacional, apenas, ao invés de haver produção de bens de capital, haverá produção de bens destinados ao mercado externo e a receita destas exportações será usada para importar bens de capital e satisfazer a demanda de investimento.


Porém, se a magnitude do investimento não se alterar, após a redução das exportações líquidas devido a apreciação cambial, não haverá mais a troca de bens exportados por importações de bens de capital, pelo menos parcialmente. Isto é, parcela das importações de bens de capital não terá mais correspondência na poupança nacional. Após a apreciação cambial parcela das importações de bens de capital e, portanto, parcela do investimento, terá sua correspondência na absorção de poupança externa (déficit em conta corrente). Do ponto de vista do resto do mundo (parceiros comerciais), suas exportações líquidas terão aumentado após a apreciação da taxa de câmbio real no país doméstico. Isto quer dizer que após a apreciação cambial parcela do investimento (importações de bens de capital) do país doméstico passou a estimular a formação de poupança no resto do mundo em detrimento do estímulo à poupança nacional no país doméstico.


Portanto, não se trata de insuficiência de poupança em relação a uma dada taxa de investimento - o investimento antecede a poupança. Partindo de um dado nível do investimento doméstico, quando a taxa de câmbio está apreciada, surgem déficits em conta corrente estimulando a formação de poupança no resto do mundo a partir do investimento doméstico, enquanto o estímulo sobre a renda e a poupança doméstica será reduzido. Após a apreciação cambial tem-se a substituição de poupança doméstica por poupança externa, conforme já argumentavam Luiz Carlos Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano (Crescimento Econômico com Poupança Externa? Revista de Economia Política, 2003): o aumento do preço relativo dos bens não comercializáveis eleva a participação dos salários na renda agregada em detrimento da participação dos lucros. Como a propensão a consumir do trabalhador é maior do que a do capitalista, o consumo agregado aumenta e a poupança doméstica diminui.


Na abordagem pós-keynesiana é equivocado o argumento de que déficits em transações correntes, por representarem absorção de poupança externa, implicam sempre aumento da taxa de investimento. De um lado, o déficit externo associado a um câmbio apreciado, "coeteris paribus", não amplia a soma da poupança nacional com a poupança externa, mas apenas representa a substituição de poupança nacional por poupança externa. De outro lado, a apreciação cambial desloca para o exterior o estímulo à formação de poupança proporcionado pelo investimento.


É possível elevar a poupança nacional por meio do aumento da taxa de investimento simultaneamente à depreciação da taxa de câmbio real. A apreciação desta não apenas está deslocando parcela do estímulo do investimento para a formação de poupança no resto do mundo, como também está produzindo, perigosamente, a desindustrialização e a vulnerabilidade de uma economia que se insere cada vez mais no mercado internacional como exportadora de commodities e com crescentes déficits em conta corrente.

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